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Dilema do trigo passa por preço, investimento e mercado

O trigo bateu recordes de preço,
marcando uma posição diferente da qual estava habituado o triticultor
paranaense, que nesta temporada pode sonhar com algo que não vê há muito tempo
na cultura: rentabilidade. Apesar dos maus auspícios de São Pedro, como a
estiagem generalizada e a geada que atingiu algumas lavouras na reta final de
desenvolvimento nas regiões Oeste e Sudoeste, os indicadores apontam para uma
colheita de 3,3 milhões de toneladas, volume 55% superior ao da safra anterior.
Mas o que enche mesmo os olhos dos triticultores é o preço.

Nesta temporada, o dólar
valorizado permitiu que as cotações do cereal atingissem valores expressivos em
real, com a saca comercializada no Paraná chegando ao pico de R$ 77 em maio
(preço do mercado de lotes medido pelo Centro de Estudos Avançados em Economia
Aplicada [Cepea]. O valor pago no mercado de balcão pela Secretária Estadual de
Agricultura e Abastecimento [Seab] é um pouco menor). Apenas para efeito de
comparação, no mesmo mês de 2019 a saca do cereal estava na casa dos R$ 50,
segundo o mesmo levantamento do Cepea.

Segundo a técnica do Departamento
Técnico Econômico (DTE) da FAEP Ana Paula Kowalski, essa alta nos preços se
explica por dois fatores. “Tivemos uma quebra severa na safra anterior que
reduziu os estoques. De outro lado, temos um dólar valorizado, o mundo
demandando trigo e alguns países exportadores retendo mais seus estoques, já
que se trata de um produto estratégico para segurança alimentar”, analisa.

Nos últimos meses, alguns outros
fatores têm sustentado os preços, como o plantio abaixo do inicialmente
projetado na Argentina (de 6,8 milhões de hectares para 6,5 milhões de
hectares) e também perdas nas áreas implantadas, ambos motivados pela seca. No
Paraguai, as perdas pela seca também ocorreram e, no Paraná e Rio Grande do
Sul, as geadas reduziram as expectativas de produção.

Esse conjunto de fatores (clima,
demanda aquecida e dólar valorizado) proporcionou um cenário incomum e bastante
positivo aos triticultores do Paraná, Estado que concentra a maior produção do
país. Mas ainda parece insuficiente para que o cereal ganhe o espaço que merece
nos planos dos agricultores paranaenses, que após décadas de preços baixos, vão
paulatinamente desistindo da cultura.

Dilema em campo

De acordo com os dados do projeto
Campo Futuro, da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a
cultura do trigo dificilmente se paga quando analisada isoladamente. Na maioria
dos casos, ela atua em parceria com outras culturas de verão, estabelecendo uma
alternância muito positiva do ponto de vista agronômico.

No levantamento de 2020, que
analisou Cascavel (Oeste), Guarapuava (Centro Sul) e Castro (Campos Gerais),
para pagar o Custo Operacional Efetivo (COE) da cultura, que computa os gastos
imediatos do cultivo, como aquisição de insumos, tributos, seguro rural,
serviços, entre outros, o preço da saca deve estar próximo dos R$ 60. Vale
lembrar que existem diferenças entre as praças analisadas pelo Campo Futuro.

Ocorre que, mesmo diante de um
cenário de preços bons, o triticultor paranaense conseguiu pagar o COE em
apenas duas das três regiões pesquisadas. Destas, apenas na região de Castro, a
receita do cereal conseguiu pagar também o Custo Operacional Total (COT), que
considera a depreciação dos equipamentos. Em nenhum cenário a receita do trigo
paga o Custo Total de Produção (que inclui a remuneração do capital investido e
o custo da terra).

Decepção e desistência

A baixa rentabilidade
proporcionada historicamente pelo trigo no Paraná tem levado muitos produtores
a desistirem da cultura. Com exceção desta temporada, em que ocorreu um aumento
de 10% na área de produção (que em muito se explica pela impossibilidade de
plantar o milho safrinha em algumas regiões), é possível notar uma oscilação e
até mesmo uma redução gradativa ano após ano. Muitos daqueles que se mantém na
atividade sequer contam com a renda, utilizando o trigo apenas na rotação de
culturas.

“Plantei trigo por cerca de 40
anos, mas não planto mais. É uma cultura interessante, histórica, bíblica,
emocionante. O que falta são condições boas para produzir”, observa o produtor
Anton Gora, de Guarapuava. Segundo ele, que hoje dedica suas lavouras de
inverno a outras culturas, como feno e centeio, não vale à pena retornar ao
trigo nas condições atuais. “O preço que os moinhos oferecem fica abaixo do
custo de produção”, analisa. Este cenário não estimula grandes investimentos na
cultura. “Como não vai ter bom preço mesmo, quem planta não pensa em investir
muito, joga a semente na terra e vê no que vai dar”, observa.

Assim como Gora, muitos
agricultores também desistiram da cultura por falta de boas condições de
comercialização. “Temos tecnologia disponível, terra, mão de obra, tudo para
produzir. O Brasil precisa desse trigo, mas falta esse cuidado do governo em
nos dar condições de produção”, lamenta.

Sintonia produtiva

Do ponto de vista do consumo, o
volume de trigo plantado no Paraná não atende à demanda. “Nossa indústria
consome todo o trigo paranaense e ainda precisa importar, pois o volume
produzido é insuficiente”, afirma Daniel Kümmel, presidente do Sindicato da
Indústria do Trigo no Estado do Paraná (Sinditrigo). “Este ano em que a
tendência é de bastante trigo e de boa qualidade, a liquidez do produtor é
certa”, garante.

Na opinião de Kümmel, também
produtor rural, é possível verificar uma “revolução no campo”, na qual o triticultor
teria percebido que investimentos na lavoura se reverteriam em rentabilidade.
“Hoje, as variedades em campo no Paraná são 100% de interesse da indústria”,
afirma.

A aderência destes dois setores,
segundo ele, se manifesta na disposição do parque moageiro do Estado. Dos 67
moinhos existentes, a maioria está no interior, ao lado da produção agrícola.
“A cadeia produtiva do Paraná é muito completa, temos desde empresas de
defensivos, empresas de sementes, cooperativas e cerealistas”, observa.

Kümmel nota uma mudança na
cultura do trigo no Estado nos últimos 10 anos. “A chave foi o diálogo entre
moinhos, produtores rurais, câmaras setoriais e cerealistas. Todos entendendo
que para entregar um trigo de qualidade é preciso fazer investimento. O
triticultor percebeu que quando o trigo é bom, ele tem interesse da indústria”,
observa.

Trigo tipo exportação

Na visão do embaixador Rubens
Barbosa, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria do Trigo
(Abitrigo), o que falta para organizar esta cadeia produtiva é vontade política
e maior articulação por parte do setor produtivo. “O trigo deveria ser plantado
de acordo com a demanda. Os plantadores devem saber o que a indústria
necessita, pois não compra qualquer coisa. É papel dos plantadores conversarem
com a indústria para saber da demanda”, avalia.

Segundo Barbosa, nossa
dependência do trigo importado é enorme, chegando a 60% da demanda nacional. “O
trigo é o único grão que o país importa, mesmo sendo essencial e estratégico”,
analisa. Na opinião do dirigente, a produção brasileira deveria ser maior para
garantir o abastecimento. “Por que o Paraná não pode pensar em uma produção
maior e exportar uma parte da safra?”, questiona.

Hoje, o maior fornecedor de trigo
para o Brasil é a Argentina, que atualmente enfrenta uma estiagem severa que
pode comprometer boa parte da sua produção. Para estimular a expansão da
produção nacional, a Abitrigo encaminhou ao Ministério da Agricultura, Pecuária
e Abastecimento (Mapa) uma proposta para ampliar a produção do cereal em novas
áreas brasileiras, como o Norte do Cerrado e a Bahia. “Dentro do ciclo de
expansão da agricultura brasileira, o trigo ficou para trás”, analisa.

Um século de melhoramento do trigo no Brasil

Cereal com longa trajetória na
história da humanidade, o trigo sofreu várias mudanças para que fosse
domesticado e pudesse ser cultivado nos mais variados tipos de solo e clima.
Desta forma, os cultivares que se plantam hoje no Brasil não são os mesmos que
há 30 anos. Ao longo do tempo novas variedades surgiram trazendo tecnologias
que buscam, entre outros atributos, maior resistência e produtividade.

A rigor, o melhoramento genético
do trigo brasileiro começou há mais de um século. Em 1919, frente a necessidade
de garantir alimento barato à população, o governo criou as primeiras estações
experimentais para o estudo do cereal, sendo a primeira em Veranópolis, no Rio
Grande do Sul, e a segunda em Ponta Grossa, no Paraná.

De acordo com Eduardo Caieirão,
pesquisador da Embrapa Trigo, os primeiros cultivares desenvolvidos não seriam
adequados, pois eram muito altos e suscetíveis a diversos tipos de estresse. “O
esforço do melhoramento teve um impulso muito forte a partir da década de 1990,
quando houve a privatização do trigo no Brasil”, afirma, referindo-se à
extinção da Comissão de Compra do Trigo Nacional (CTRIN), órgão público que
fiscalizava e controlava os preços do trigo e da farinha. “A partir daí o trigo
não era totalmente comprado pelo Estado e critérios de qualidade passaram a ser
mais relevantes. Então, as empresas de melhoramento passaram a dar uma atenção
maior ao aspecto de qualidade tentando identificar trigos que atendessem melhor
à demanda nacional”, explica Caieirão.

Hoje, o pesquisador da Embrapa
Trigo garante que existem cultivares nacionais para atender a qualquer produto
demandado pela indústria, e mais. “Temos potencial de dobrar a produção só com
a genética disponível”, afirma. Segundo ele, existem cultivares com potencial
de produção de seis toneladas por hectare, enquanto que a média dos Estados
produtores é metade atualmente. “Não precisa fazer milagre para a receita
crescer na lavoura, basta utilizar o potencial genético do trigo”, diz.

Mas se é tão fácil assim, por que
o produtor não utiliza todo esse potencial? “Porque tem diferentes aplicações e
tecnologias. A amplitude de situações é muito grande. Muitas vezes as
tecnologias desenvolvidas na pesquisa sequer chegam ao produtor”, explica
Caieirão.

Algumas destas novas variedades
estão obtendo ótimos rendimentos (as tais seis toneladas por hectare) na região
Central do Brasil. “Produzir trigo na região Sul é muito mais desafiador, por
conta do clima”, explica Caieirão. Nas lavouras desenvolvidas em Goiás e na
região do Cerrado, a produtividade é grande, mas os custos também sobem, uma
vez que é necessário irrigar os trigais. “Onde o trigo é irrigado, a
estabilidade é muito grande, pois se coloca água somente quando precisa e os
rendimentos vão lá para cima. Mas existe o aumento no custo”, observa.

Temporada atípica para o trigo – Por Ana Paula Kowalski

O momento nunca foi tão favorável
para o cultivo do trigo. O preço médio é de R$ 65 por saca em plena colheita, o
maior da série histórica da Seab. Isso mesmo no auge de 63% da área paranaense
colhida e com uma produção de 3,3 milhões de toneladas, um aumento de 55% em
relação à safra passada.

A combinação de fatores que nos
levou a este cenário não é simples. Primeiro tivemos o efeito da pandemia no
aumento da demanda das famílias por derivados de trigo. Esse aumento refletirá
em um consumo de quase 12,5 milhões de toneladas de trigo nesta safra 2020 que
está sendo colhida, o maior da série histórica da Conab. Daqui para frente
temos um fator ainda positivo para a demanda por macarrão por conta do aumento
do preço do arroz. Um produto costuma substituir o outro na preferência do
consumidor.

A queda de 25% na produção da
safra 2019 no Paraná, principal produtor nacional, também contribuiu para uma
menor disponibilidade de trigo no Brasil. Para suprir a demanda de consumo no
mercado interno, foi preciso importar mais. Aqui reside o terceiro fator de
alta. O real vem sofrendo uma forte desvalorização em 2020. A taxa de câmbio
nesse momento está acima de R$ 5,60 e trazer trigo de fora está mais caro.

Ainda que a tendência esperada seja de melhora do cenário da pandemia e de responsabilidade nas reformas que correm no Executivo e Legislativo, as perspectivas para os preços de trigo ainda são boas. O plantio na Argentina acabou ficando abaixo do inicialmente projetado e também ocorreram perdas nas áreas implantadas em função da seca. No Paraguai, as perdas pela seca também foram registradas e no Paraná e Rio Grande do Sul, as geadas também reduziram as expectativas de produção, apesar da recuperação em relação ao ciclo passado.

Leia mais notícias sobre o agronegócio no Boletim Informativo.

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Fonte: Sistema FAEP



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