As mudanças de hábitos impostas
pelo isolamento social, resultado da pandemia do novo coronavírus, imprimiram
efeitos na cadeia do café do Paraná, a começar pelas cafeterias, que tiveram
que fechar, passando pela mão de obra utilizada na colheita, que precisou
seguir novos protocolos de saúde, até as exportações, que em junho obtiveram
receita de R$ 1,7 bilhão, aumento, em reais, de 19,9% em relação ao mesmo mês
de 2019.
Do ponto de vista do campo,
parece que a crise não existe. Com praticamente todo café paranaense já
colhido, essa é uma das melhores safras dos últimos tempos, em termos de
qualidade. “Nunca tive um percentual de cereja descascado igual a esse: em
torno de 60%. Como não teve chuva continuada, melhorou muito a qualidade. Fazia
uns cinco anos que não tinha uma colheita tão boa”, comemora o produtor Ricardo
Batista Santos, de Congonhinhas, no Norte Pioneiro.
O preço também foi motivo de
comemoração. “Chegou a R$ 510 a saca do ‘bica corrida’”, como Santos se refere
ao café convencional comercializado junto às cooperativas. Lotes de café de
qualidade superior podem obter quatro vezes este valor. Nesses casos, o
produtor comercializa por meio da Cooperativa de Produtores de Cafés Especiais
do Norte do Paraná (Coccenp), que vende o produto para cafeterias e outros
locais especializados.
“Houve procura muito grande de
café esse ano. Nos primeiros meses da pandemia ficou meio travado, mas depois
voltou ao normal”, relata o produtor.
Este ano é de “safra cheia”,
segundo Santos, pelo fato dos pés de café produzirem a pleno vapor, ao
contrário de outros anos quando passam pelo esqueletamento, podas bruscas para
aumentar a produtividade. A média do produtor nos últimos quatro anos foi de 55
sacas de café beneficiado por hectare, contra 70 sacas/ha nesta temporada.
“As condições climáticas
favoreceram a concentração das florações, isto é, uma florada mais perto da
outra. Isso proporciona a predominância de um grão mais maduro e mais uniforme
e traz facilidades na hora da colheita. Além disso a estiagem do início do ano
não teve impacto severo na granação do fruto”, explica a técnica do
Departamento Técnico (Detec) do SENAR-PR Jéssica D’ângelo. “A seca deste ano
foi bastante benéfica para o café, pois induziu à maturação mais precoce dos
frutos”, afirma o cafeicultor Tumoru Sera, de Congonhinhas.
Dólar expresso
Tumoru começou a plantar café nos
anos 1990 quando o preço pago pela saca do produto era “pior do que péssimo”,
na casa dos US$ 60. Hoje, uma saca é cotada a mais de US$ 100, chegando a
valores maiores quando se trata de lotes especiais ou gourmets. Nos seis
primeiros meses de 2020, o preço médio da saca foi de US$ 130,76.
Segundo o relatório do Conselho
dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), no primeiro semestre deste ano o
Brasil exportou 19,6 milhões de sacas do produto (79% de café do tipo arábica).
No mesmo período de 2019 foram 20,4 milhões de sacas. Já quando se trata de
receita, o dólar adoçou o café dos exportadores brasileiros neste semestre. A
receita cambial dos seis primeiros meses de 2019 ficou em R$ 9,8 bilhões,
enquanto no mesmo período deste ano, mesmo com menor volume exportado, a
receita foi de R$ 12,6 bilhões. Para efeito de comparação, em 1º de julho de
2019 o dólar valia R$ 3,81 e, na mesma data em 2020, R$ 5,36.
“Chegamos a patamares de preços
nominais que não tínhamos há cinco anos”, observa o coordenador de política
agrícola da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Maciel
Silva.
Efeito amargo
A movimentação nos portos não
reflete a realidade do chamado food service (setor que compreende cafeterias,
restaurantes e lanchonetes), nem do varejo. Segundo o presidente da Associação
Brasileira da Indústria de Café (Abic), Ricardo de Sousa Silveira, logo após o
início da pandemia, muitos consumidores buscaram armazenar o produto com receio
de um desabastecimento. “Essa situação gerou um aumento pontual de 35% nas
vendas em março, que seguiu com queda em abril”, ressalta. Na opinião do
executivo, as indústrias de café não foram tão afetadas porque tem seus maiores
canais de distribuição no varejo tradicional (supermercados) que se mantiveram
abertos durante a pandemia. “Mas, o consumo doméstico não irá compensar
totalmente a ausência do consumo fora do lar, que foi muito impactado com o
isolamento social”, aponta.
A empresária Georgia Franco de
Souza, proprietária da cafeteria Lucca Cafés, de Curitiba, sentiu os solavancos
econômicos deste período. “O que nos salvou foi a diferenciação dos cafés que
nós vendemos”, conta, referindo-se aos microlotes exclusivos com alta pontuação
que ela mesmo torra e comercializa.
A cafeteria de Georgia passou por
diversos períodos de fechamento total e, até o encerramento desta edição,
atendia com 30% da capacidade de ocupação. Para driblar a restrição da
comercialização da bebida preparada, a Lucca implantou um serviço de entrega
com motoboy. “O saldo [do período de pandemia] foi extremamente negativo, mas
teríamos ido a colapso se não fossem as vendas do café para consumo em casa”,
afirma a empresária. Para complementar, passou a entregar também pão com
fermentação natural. Outras estratégias, como vendas com entrega via correio e
clube de assinantes de café já faziam parte da rotina da Lucca.
Produção se ajusta para proteger saúde dos trabalhadores
Outro reflexo da pandemia ocorreu
no momento da colheita do café. Historicamente, a atividade demanda muita mão
de obra, sendo inclusive um gargalo que vem levando a atividade para o caminho
da mecanização. Em grandes regiões produtoras, migrações de trabalhadores
ocorrem durante esses períodos. Todo este processo, desde o transporte até a
disposição nos alojamentos e a própria atuação nos cafezais, precisou passar
por ajustes para atender aos protocolos de saúde de enfrentamento ao novo
coronavírus.
No caso do produtor Ricardo Batista,
de Congonhinhas, a mão de obra utilizada na colheita resume-se a três famílias,
cada uma com três integrantes, de um distrito próximo. Como não é necessário
passar a noite na empreitada, foi preciso apenas ajustar a questão do
transporte. Ao invés do utilizar o ônibus, o cafeicultor acertou um valor para
a gasolina e cada família se deslocou em um automóvel. “Na lavoura também, pedi
para eles respeitarem o distanciamento e deu tudo certo”, relata.
De acordo com o coordenador de
produção agrícola da CNA, Maciel Silva, casos semelhantes ocorreram em todo
Brasil, mas não chegaram a causar problemas devido à capacidade de planejamento
dos cafeicultores. “O boom da pandemia foi antes do início da colheita, então
os produtores tiveram tempo para se adequar e, de modo geral, cumprir os
protocolos”, afirma.
Concurso Café Qualidade Paraná
Uma das grandes vitrines do café
paranaense, o concurso Café Qualidade Paraná está com inscrições abertas para
sua 18ª edição. A iniciativa, que conta com a parceria do Sistema
FAEP/SENAR-PR, tem como objetivo incentivar a produção de cafés de qualidade no
Estado.
A inscrição é gratuita e pode ser
feita até o dia 2 de outubro nas unidades municipais do Instituto de
Desenvolvimento Rural do Paraná – Emater/Iapar.
O regulamento pode ser acessado no link www.cafequalidadeparana.com.br.
A notícia Da colheita à xícara, café dribla adversários gerados pela pandemia apareceu pela primeira vez em Sistema FAEP.
Fonte: Sistema FAEP