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ERVA-MATE PARA O GADO

Misturar uma pequena quantidade de extrato de erva-mate à ração do gado de corte pode ser suficiente para produzir uma carne com mais benefícios à saúde, mais agradável ao paladar e com maior prazo de validade. O resultado vem de uma colaboração entre pesquisadores brasileiros e dinamarqueses, projeto que durou três anos e desenvolveu estratégias inovadoras para a produção de proteína animal e de pão.

Apoiado pela Fapesp e pelo Innovation Fundation Denmark (antigo Danish Council for Strategic Research), o projeto “Pão e Carne para o Futuro” foi concluído com um workshop realizado no dia 28 de agosto de 2015 no Instituto de Química de São Carlos (IQSC) daUniversidade de São Paulo (USP).

Além do efeito positivo do mate sobre o rebanho bovino, a equipe verificou benefícios semelhantes na alimentação do frango de corte, descobriu maneiras mais eficientes e saudáveis de produzir carne curada (como o presunto tipo parma ou a carne-seca) e estratégias para incorporar até 30% de farinha de mandioca à fabricação de pão em escala industrial.

- Conseguimos reunir de forma muito interessante uma equipe multidisciplinar que nunca tinha trabalhado junta, incluindo químicos, microbiologistas, agrônomos, engenheiros de alimentos e farmacêuticos, fazendo experiências que ainda não tinham sido tentadas no Brasil – disse Daniel Rodrigues Cardoso, professor do IQSC-USP e coordenador da iniciativa do lado brasileiro.

- Hoje, se alguém quiser saber como determinada ração afeta o perfil metabólico da carne, conseguimos responder sem dificuldade a essa pergunta graças ao projeto – disse.

Além da USP e da Universidade de Copenhague, participaram do projeto a Embrapa e duas empresas, a Centroflora (fornecedora dos extratos de erva-mate) e a Novozymes (que colaborou com as enzimas usadas em diversos experimentos), além de pesquisadores de outras instituições. O investimento nacional na pesquisa ficou em cerca R$ 1,4 milhão, com contrapartida idêntica dos financiadores dinamarqueses.

Macia e sem estresse

De acordo com os pesquisadores, há uma série de indícios sobre os benefícios à saúde humana que podem estar ligados ao consumo do mate. É possível que a erva facilite o controle do peso e modere processos oxidativos e inflamatórios, por exemplo.

Os efeitos do consumo do mate foram estudados em um plantel de cerca de 50 cabeças de gado, que recebiam um extrato da erva em proporções de 0,25% a 1,5% do total de sua ração.

Não houve mudanças no crescimento e na quantidade de carne obtida a partir de cada animal. Por outro lado, os pesquisadores verificaram, em primeiro lugar, que a carne se tornou mais macia e mais elogiada por consumidores, em teste sensorial cego feito com cem pessoas.

- O desempenho foi melhor inclusive nos testes de força de cisalhamento – disse Renata Tieko Nassu, da Embrapa Pecuária Sudeste.

A análise das diferentes moléculas presentes na carne mostrou ainda um aumento significativo do ácido linoleico conjugado (CLA) nos bovinos que receberam o suplemento de mate.

Essa substância, explica Cardoso, tem papel anti-inflamatório e pode também auxiliar na diminuição do nível de colesterol de quem a consome. De quebra, atua como antioxidante — ou seja, reduz a formação de moléculas altamente reativas no organismo, que podem causar danos às células. Isso não só é bom para a saúde como também contribui significativamente para aumentar o tempo de prateleira da carne.

Tudo indica que esse efeito benéfico é mediado pela atuação do consumo de mate sobre as bactérias do sistema digestivo dos bois, favorecendo a multiplicação de certos microrganismos. Isso, por sua vez, altera a maneira como o gado absorve nutrientes e, consequentemente, afeta a qualidade da carne.

Além disso, os pesquisadores também observaram uma aparente redução do estresse e melhora no bem estar animal, o que também ajuda a melhorar a qualidade da carne.

Para que a suplementação seja aplicada em larga escala nos rebanhos do país, o próximo passo é achar uma maneira mais econômica de oferecê-la aos animais, segundo explicou Rymer Ramiz Tullio, da Embrapa Pecuária Sudeste.

A questão é que, nos experimentos, foi usado um extrato feito seguindo padrões da indústria farmacêutica, o que encarece o produto.

- É preciso verificar se a administração direta das folhas de erva-mate tem o mesmo efeito ou então usar o resíduo que é descartado na produção do extrato, o que também seria bem mais barato – disse Cardoso.

Mais mandioca

Ampliar o potencial de uso da mandioca na indústria panificadora mundo afora foi outro objetivo-chave do projeto. Como não há expectativa de expansão das áreas de lavoura de trigo no planeta, incluir farinha de mandioca em pães e outros produtos aumentaria a segurança alimentar de muitos países, em especial os de clima tropical.

O grande desafio, conta a pesquisadora dinamarquesa Ulla Kidmose, da Universidade de Aarhus, é compensar a ausência da rede proteica de glúten que está presente na massa de pão feita exclusivamente com trigo.

- Já a mandioca é praticamente só amido, com pouquíssima proteína. E é justamente o glúten do trigo que aumenta o volume do pão e dá a ele uma textura mais suave, duas coisas que, para a indústria, fazem muita diferença – explicou.

Essa dificuldade, no entanto, foi contornada graças à escolha da variedade de mandioca mais apropriada para a fabricação da farinha e ao uso de um coquetel de enzimas que modificam ligeiramente o processo de fermentação da massa. Com tais ajustes, foi possível fazer com que até um terço da farinha usada na produção do pão fosse de mandioca.

Ulla afirma que a tecnologia poderia ser transferida imediatamente para a indústria, sem muita dificuldade ou custo.

- O problema que eu vejo por enquanto é de aceitação, ao menos no mercado europeu ou do hemisfério Norte de maneira geral, porque pouca gente por lá conhece a mandioca hoje – disse.

Apesar das diferenças de clima, cultivares e animais de criação, Dinamarca e Brasil têm muitos interesses em comum na área da ciência de alimentos, como destacou o coordenador dinamarquês do projeto, Leif Skibsted, da Universidade de Copenhague.

- Os problemas básicos que temos de enfrentar são mais ou menos os mesmos, independentemente do país – disse Skibsted, que visita a USP de São Carlos ao menos uma vez por ano desde 1998 e foi co-orientador de Daniel Cardoso durante o período em que o pesquisador brasileiro esteve na Dinamarca em seu doutorado-sanduíche.

Fonte: Agência Fapesp



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