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Perfil: Harry Françóia, o multiplicador de sindicatos

Por Felippe Aníbal

Por duas décadas, a vida de Harry Françóia se confundiu com a história do sindicalismo rural do Paraná. De 1967 a 1988, o hoje advogado tributarista integrou os quadros da FAEP, onde exerceu diversos postos e funções. Mais do que ter sido testemunha ocular da evolução da rede de defesa dos agricultores e pecuaristas, Harry teve participação decisiva na transformação de associações em sindicatos rurais em todo o Estado e na fundação de unidades sindicais em munícipios em que os produtores sequer estavam organizados. Essa expansão teve relação direta com o fortalecimento da agropecuária paranaense.

“Eu ajudei a
criar mais de 130 sindicatos. Se você procurar nas atas de fundação, vai
encontrar meu nome”, diz Harry, por detrás da mesa em seu escritório, no Alto
da Glória, em Curitiba. “Quando começamos este trabalho no fim da década de
1960, tínhamos cerca de 35 sindicatos. Em dez anos, chegamos a 165. Isso, em
uma época que o Paraná tinha em torno de 235 municípios”, recorda.

A sua entrada
na FAEP se deu quase que por acaso. Em 1967, Harry era um rapaz de 22 anos que
morava em Santo Antônio da Platina, no Norte Pioneiro. Andava “tristão” porque
sua namorada havia acabado de falecer, aos 19 anos, em decorrência de uma
doença cardíaca. Para ocupar a cabeça, aceitou o convite do presidente do sindicato
rural local, Fernando Patriani, que iria a Curitiba, para participar de uma
reunião na Federação. Assim, a bordo de um fusca “Pé de Boi”, Harry embarcou em
uma viagem que mudaria sua vida.

“O Fernando
era irmão do Paulo Patriani, presidente da FAEP. Eu me interessei pelo sistema
sindical, em saber como os sindicatos funcionam. Aí, o Paulo me falou: ‘Você
não quer vir trabalhar aqui, comigo?’. Como eu só tinha o curso primário, teria
chance de estudar, de crescer. Eu aceitei. Comecei como motorista da
Federação”, relembra Harry.

Sindicatos pelo interior

Por um ano,
Harry permaneceu ao volante do fusca “Pé de Boi” da FAEP, dirigindo para o
presidente não só em Curitiba, mas, principalmente, em viagens pelo interior do
Paraná. Logo em seguida, o chofer foi promovido a auxiliar administrativo do
Departamento de Administração. No novo posto, continuou a singrar as estradas
do Estado, com o colega Gilceu Nilo de Almeida, com a missão de fazer com que
as associações rurais se adequassem à lei, se tornando sindicatos rurais.
Apesar da nova função, Harry permaneceu à boleia e jamais se esqueceu do
automóvel, da cor azul-pastel e de placa AC 7345.

A
transformação das associações em sindicatos rurais era uma exigência do governo
militar, como forma de regulamentar a representatividade dos produtores e de
manter o controle sobre os gastos das entidades. Por isso, o processo de
criação dos sindicatos não era dos mais fáceis. Segundo Harry, havia muita
resistência, principalmente porque as associações não viam com bons olhos a
obrigação de prestar contas ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e ter
suas eleições controladas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). Com
bastante jogo de cintura e com um perfil conciliador, Harry foi determinante
neste trabalho de convencimento, apostando sempre em informação.

“A gente
encontrava muita resistência, porque as associações tinham autonomia financeira
e não queriam passar a ser fiscalizadas pelo regime militar. Mas era a lei.
Cabia a nós, da FAEP, fazer essa explicação e conduzir essa adequação”, observa
Harry.

As incursões
da FAEP ao interior também visavam incentivar a fundação de sindicatos onde
sequer haviam associações. Os funcionários da Federação mobilizavam produtores
e promoviam assembleias, em que era eleita uma junta governativa – formada por
três líderes – e estabelecido o estatuto. Harry voltava com a documentação e a
protocolava na delegacia do MTE, em Curitiba. A partir de então, o processo era
analisado pelo Ministério, a quem cabia reconhecer oficialmente a criação do
sindicato.

Em geral,
essas primeiras assembleias contavam com a presença de 30 ou 40 produtores. Mas
algumas reuniões para criação de sindicatos se tornaram históricas, como a de
fundação do Sindicato Rural de Francisco Beltrão, no Sudoeste do Paraná, que
teve a participação de 1.160 produtores rurais. A unidade sindical seria
presidida por Nelson Meurer, que, anos depois, viria a se eleger deputado
federal.

“Para a
efetivação do sindicato, o Ministério fazia uma verificação rigorosíssima de
todo o processo. Faziam um pente-fino na vida de cada líder sindical, olhavam a
vida pregressa, verificavam documento por documento, desde a ata às
assinaturas. Às vezes, a gente precisava voltar três, quatro vezes ao
município, para deixar tudo acertado”, conta Harry. “A gestão do ministro
Jarbas Passarinho foi a em que mais sindicatos foram reconhecidos”, acrescenta.

Como é de se
supor, as viagens não eram das mais fáceis. De Curitiba a Guaíra, por exemplo,
gastavam-se 15 horas, por estradas de terra. “A gente chegava à cidade de
destino e tinha que trocar de roupa, de tanta poeira”, diz. As histórias deste
período têm ares de odisseia, em jornadas sob chuva, lama e mesmo em finais de
semana. Em uma dessas, Harry teve que dormir na estrada, no banco do fusca,
porque a via estava interditada por um caminhão que atolou, atravessado na
pista.

“Eu estava
indo para Toledo e tinha chovido muito. Era a estrada e floresta nos dois
lados. Só consegui chegar ao sindicato no dia seguinte e fui direto para a assembleia,
com aquela cara de sono”, rememora. “Só no governo do Jaime Canet que a
estrutura melhorou. O Paraná teve 4 mil quilômetros de estradas abertas, em
anti-pó [pavimentação com fina camada de asfalto]”, acrescenta.

Também por este período, Harry se apaixonou por fuscas. Hoje, tem seis carros deste modelo, entre os quais, um “Pé de Boi”. Com o passar do tempo, o hobby se estendeu para outros automóveis, o que fez com que o advogado se tornasse um aficionado por motores. Foi diretor do BMW Clube, tem carros e motocicletas de altas cilindradas da marca e pilota até aviões.

Quatro presidentes

A permanência
de Harry na FAEP passou pela gestão de quatro presidentes. No fim de 1972,
chegaram os rumores de que o governo federal queria colocar um militar para
comandar a Federação. Após um período de transição entre janeiro e março de
1973 – quando a entidade foi presidida por Ubilar Guerra Lobo –, o indicado
para o cargo foi o coronel Mário Stadler de Souza, que também era produtor
rural no interior do Paraná. Harry teve um ótimo relacionamento com o novo
presidente da FAEP, que deu continuidade ao trabalho de fortalecimento da
representatividade da agropecuária.

“O coronel
Mário era uma pessoa muito aberta, comunicativa, bastante educado e simpático”,
recorda.

Um dos pontos
decisivos dessa época foi o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), lançado
pelo governo federal, que tinha por objetivo alavancar a produção brasileira,
em todos os setores. A iniciativa contava com um projeto chamado “Capacitação do
Produtor Rural”, que ajudava o agropecuarista a organizar seu negócio – desde o
planejamento à colheita. As ações incluíam, inclusive, alguns cursos. “Esse
projeto ensinava o negócio a ser sustentável. Esse plano foi o embrião do
SENAR-PR”, define.

No fim da
década de 1970, Harry soube que havia 26 fuscas em estado de sucateamento nos
pátios do governo do Paraná. Autorizado por Stadler de Souza, o funcionário da
FAEP negociou uma parceria com a Secretaria de Estado da Agricultura. Os
automóveis foram reformados e cedidos a sindicatos rurais do interior.
“Ferrugem, os carros tinham aos montes. Entretanto, tinham boas possibilidades
de servir para trabalhos de curtas distâncias. Alguns, a própria FAEP mandou
fazer revisão”, lembra.

De motorista a advogado

Foi na gestão
de Stadler de Souza que Harry passou a ser estimulado a prestar vestibular. O
principal incentivador foi o advogado Ostoja Roguski, então chefe do
Departamento Jurídico da FAEP. Encorajado pelos colegas, Harry cursou o
Madureza Ginasial – uma espécie de supletivo –, fez o científico e, em seguida,
prestou vestibular. Aprovado na tradicional Faculdade de Direito de Curitiba,
começou o curso em 1978.

“Como eu
estava desenvolvendo aquele trabalho de criação de sindicatos, o doutor Ostoja
Roguski achava que eu tinha muita habilidade para negociar. E eu tinha mesmo.
Eu falava a linguagem deles. Não tinha diferença. Por isso que deu certo”,
apontou.

Harry se
formou em 1982 e, de cara, foi nomeado chefe do Departamento Jurídico da FAEP.
No novo posto, já teve uma missão difícil: atendeu a implantação do dissídio
coletivo de trabalho – ajuizamento das reivindicações dos trabalhadores rurais
perante o Tribunal Regional do Trabalho. Ali, o advogado pôde exercer toda a
habilidade que havia desenvolvido em outros setores da Federação. “Eu fiquei
expert naquilo”, relembra.

Em outro
momento memorável, coube a Harry organizar uma recepção de produtores e
trabalhadores rurais ao então presidente da república, João Baptista
Figueiredo. Os agropecuaristas do Estado lotaram a tradicional Sociedade Dom
Pedro II, o que fez com que o encontro fosse um sucesso. Uma semana depois, o
advogado da FAEP esteve no Palácio do Planalto, em Brasília, onde Figueiredo
lhe confidenciou as impressões que teve da receptividade.

“Ele adorou a
reunião e a articulação dos produtores. Ele participou em vários encontros
deste tipo em todo o Brasil. Sabe por que ele fez isso? Para ver o nível de
organização da sociedade, saber se estava preparada para a abertura política.
Ele queria saber se os militares podiam, mesmo, entregar o poder. Veja você a
importância que o sindicalismo tem: servia de referência a um presidente”, diz.
“Com a abertura política, a Federação passou a ter um papel ainda mais
reivindicatório, como tem hoje”, opina.

Em 1988, Harry deixou os quadros da FAEP, na gestão de Paulo Carneiro. Passou, então, a se dedicar ao direito tributário. Hoje, aos 74 anos, o advogado continua na ativa. Tem quatro filhos, dois dos quais também seguiram o caminho do direito e trabalham em seu escritório. Com memória invejável, relembra com consideração dos tempos de Federação e enumera pessoas que foram importantíssimas à agropecuária, entre os quais, os saudosos Nelson Teodoro de Oliveira e João Luiz Biscaia, falecidos recentemente. “A FAEP fez parte da minha história. Entrei como motorista e saí como advogado. Também posso dizer que dei minha contribuição. Vi, de perto, o crescimento da Federação”, conclui.

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Fonte: Sistema FAEP



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