O governo federal anunciou nesta terça-feira (18), durante o lançamento do Plano Safra, R$ 1 bilhão para ajudar os agricultores a pagarem o seguro rural em 2020. É o maior volume de recursos já orçado para o programa.
Para 2019, foram previstos R$ 440 milhões para subvenção ao seguro, mas o valor disponível ficou em R$ 371 milhões após contingenciamento. O dinheiro é usado para financiar parte da apólice para o agricultor. Na média, o governo arca com 35% desse custo.
O seguro rural indeniza o produtor em caso de prejuízos por problemas climáticos ou derrubada de preços, por exemplo. Em 2018 (últimos dados fechados), esse mercado movimentou R$ 2 bilhões em apólices no Brasil. A parcela subsidiada somou R$ 862,9 milhões, sendo R$ 370,6 milhões bancados pelo governo e R$ 492,3 milhões pelos segurados.
O restante (R$ 1,12 bilhão) foi contratado diretamente pelos agricultores junto às seguradoras, sem ajuda estatal.
“Para cada apólice contratada com subvenção [no ano passado], teve outra sem. E não é porque o produtor quis, mas porque acreditava que ia ter acesso [à ajuda], mas não conseguiu”, diz Pedro Loyola, diretor de gestão de riscos do Ministério da Agricultura.
Segundo o governo, há demanda para absorver totalmente o R$ 1 bilhão previsto em subsídios. Representantes do agronegócio reclamam que o incentivo poderia ser ainda maior: de R$ 1,7 bilhão.
“O recurso para o seguro foi minguando nos últimos anos. O valor de R$ 1 bilhão [em subvenção] está muito bom diante do que era antes. Agora, se me perguntarem qual o valor ideal, seria R$ 1,7 bilhão”, afirma Bruno Lucchi, superintendente técnico da Confederação Nacional da Agricultura (CNA).
Para o setor de seguros, o tamanho do mercado não subsidiado indica que há espaço para o governo aumentar ainda mais a quantia disponibilizada.
“Esse dinheiro será facilmente absorvido e, se tivesse mais, [por exemplo] R$ 2 bilhões, também seria absorvido”, afirma Daniel Nascimento, vice-presidente da comissão de seguro rural da Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg).
No total, o Plano Safra prevê a concessão de R$ 225,59 bilhões em crédito para os pequenos, médios e grandes produtores durante o ano-safra 2019/20.
Área segurada
Dos mais de 62 milhões de hectares com produção rural no Brasil, apenas 4,7 milhões de hectares (ou 7,5%) estavam protegidos por um seguro agrícola em 2018. O valor total segurado chegou R$ 12,5 bilhões, beneficiando 42 mil produtores. A subvenção do governo para o pagamento das apólices naquele ano foi de R$ 370,6 milhões.
De acordo com projeções do Ministério da Agricultura, o subsídio de R$ 1 bilhão seria suficiente para ampliar a área coberta para 15,6 milhões de hectares e a importância segurada, para R$ 42 bilhões, atendendo 150 mil segurados.
Pedro Loyola, diretor do ministério, ressalta que nem toda a área produtiva do país é compatível com o seguro. Propriedades voltadas à agricultura de subsistência e da agricultura familiar, por exemplo, se enquadram em outros programas de proteção, como o Garantia Safra e o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro).
Nas contas da CNA, 20,2 milhões de hectares poderiam ser cobertos se o governo disponibilizasse o subsídio de R$ 1,7 bilhão pretendido pelo setor. Isso resultaria em uma importância segurada de R$ 72 bilhões, para 166 mil produtores.
Evolução do mercado
O seguro rural no Brasil ganhou relevância no país a partir da instituição da política de subsídios. Em dezembro de 2003, a Lei 10.823 criou o Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR) – foi quando governo assumiu o compromisso de ajudar o produtor rural a pagar uma parte do valor da apólice do seguro. O percentual de auxílio varia conforme a cultura, a região e riscos envolvidos. (Veja simulação ao fim do texto).
Apesar de ainda ser pequeno em relação ao potencial, o mercado total de seguro rural vem crescendo ano a ano. Já a parcela subsidiada não superava seu pico, registrado em 2014, até o anúncio desta terça. Naquele ano, o governo enfrentou dificuldades para pagar as seguradoras e o investimento passou a ser mais conservador.
“O seguro agrícola é muito caro de ser desenvolvido e de se fazer a avaliação de perda. Não existe padrão: o perito precisa ir até a propriedade [segurada] quando ele acionado, antes e depois da colheita. O custo operacional é muito alto, paga-se muito sinistro. Isso gera também um prêmio caro [para o produtor] e o governo subsidia para que ele consiga contratar”, diz Loyola, do Ministério da Agricultura.
O ex-secretário de Política Agrícola Ivan Wedekin reforça que o apoio financeiro foi e é necessário para a expansão do produto no país. “A subvenção alavancou o seguro e o produtor pegou consciência [de que ele é importante]. É um processo gradativo e R$ 1 bilhão [valor anunciado pelo governo] é o mínimo que o governo pode fazer.”
Loyola destaca que ter um seguro garante ao agricultor que tiver prejuízos continuar na atividade sem se endividar. “Ele não recupera a produção, mas continua capitalizado, pagar seus financiamentos e, se sobra dinheiro, faz investimentos, gira o comércio. Tem um efeito multiplicador muito grande na economia”.
Para Roberto Rodrigues, ministro da agricultura de 2003 a 2006 e criador do programa de subvenção, um seguro rural robusto, que cubra não apenas catástrofes climáticas, mas também a volatilidade do mercado, “resolveria o problema do crédito rural no país.”
“Porque hoje o governo tem que participar com o Banco do Brasil [principal operador de empréstimos para o setor] e é obrigado a usar crédito compulsório pelo Banco Central [para o agronegócio] porque a atividade é muito arriscada no Brasil. É preciso reduzir o risco”, aponta.
Ele afirma ainda que o incentivo ao seguro é uma política pública que beneficia não só o setor, mas todo o país.
“É preciso que o agricultor tenha acesso a mecanismos que garantam o trabalho dele para que não haja fome. Garantir a renda do produtor e a atividade dele interessa à sociedade brasileira.”
Por que é limitado
Especialistas ouvidos pelo G1 e até o próprio Ministério da Agricultura são unânimes em apontar a falta de previsibilidade como um dos principais gargalos para que o seguro rural avance no Brasil.
“Melhor do que ter o orçamento é ter previsibilidade. [O governo] anuncia R$ 600 milhões e [o orçamento] é contingenciado e cai para R$ 400 milhões. Não adianta ter R$ 1 bilhão se não for empregado, de fato. O produtor contrata [o seguro] achando que vai ter subvenção e depois tem que pagar tudo sozinho. Temos que empenhar recursos e executar”, reclama Lucchi, da CNA.
Outro desafio seria ampliar a oferta que produtos que cobrem quedas nos preços – segundo dados do governo, dos R$ 370,6 milhões em subsídios concedidos em 2018, menos de 10% foram destinados a seguros de faturamento (R$ 35 milhões).
Ampliar o leque de culturas e regiões cobertas também é uma demanda. “Não é só dinheiro do governo, precisa de novos produtos, novos públicos e novas culturas. Investir em treinamento, capacitar peritos… E ter mais divulgação do produto”, diz diz Daniel Nascimento, da Fenseg.
“Ninguém sai da concessionária sem fazer um seguro de carro, mas justificar o seguro rural para o produtor [ainda] é um desafio. Ele não sabe o que está contratando”, completa.
Como funciona o seguro rural?
Assim como o seguro automotivo reembolsa parte do valor do carro ao motorista em caso de roubo ou acidente, o seguro rural garante ao produtor uma indenização por prejuízos na lavoura ou rebanho causados por problemas climáticos ou pela derrubada dos preços, por exemplo.
A lógica é a mesma: o beneficiário paga uma quantia anual para ter direito a receber um determinado valor se algo inesperado ocorrer dentro daquele período.
O seguro agrícola tem, principalmente, três tipos de coberturas:
Multirrisco: cobre riscos climáticos que uma lavoura está sujeita a ter, como granizo, excesso ou falta de chuvas. É muito utilizado por produtores de grãos, como soja e milho. É o tipo mais contratado.
Riscos nomeados: o produtor escolhe de quais riscos ele quer se proteger. As coberturas mais comuns são para granizo e/ou geada e/ou incêndio. É muito utilizado por produtores de frutas e legumes. É o único que tem franquia (há taxa para acionar o sinistro).
Riscos paramétricos: a cobertura é baseada na variação de um determinado componente da produção. Exemplo: se chover abaixo da média em uma área da propriedade, o seguro pode ser acionado. É muito utilizado por pecuaristas e produtores em larga escala.
Dentro dessas coberturas, há três tipos de indenização:
Seguro de Custeio: o limite máximo de indenização (LMI) é calculado com base no custo de produção da área. O segurado recebe indenização quando obtém produtividade inferior à garantida na apólice.
Seguro de Produção: o LMI é calculado com base na produtividade (quantidade colhida por hectare) esperada para a área multiplicada pelo valor do produto na época da contratação. O segurado recebe indenização quando produz menos do que esperado.
Seguro de Faturamento ou Receita: o limite é calculado com base no faturamento a ser obtido com a produção, multiplicando-se a produtividade esperada por um preço alvo. A indenização é paga quando a produtividade obtida e/ou preço de mercado na época da colheita reduzem o faturamento a nível inferior ao garantido na apólice.
Veja simulação, elaborada pelo G1 com ajuda da Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg):
Exemplo:
Se o produtor dessa simulação enfrentar uma quebra de safra por conta do clima e colher 30 sacas por hectare, por exemplo, ele pode acionar o seguro. A seguradora irá pagar o que falta para completar o nível de cobertura. Se o contrato era de 60 sacas por hectare com 70% de cobertura (ou seja: 42 sacas), a indenização será de 12 sacas por hectare, somando R$ 84 mil.
Se o agricultor perder tudo, a seguradora paga o valor equivalente a 42 sacas por hectare, com indenização de R$ 294 mil.
Como acionar o seguro
Como comunicar o sinistro: geralmente por meio de central de atendimento ou corretor de seguros
Tempo médio para Perícia e avaliação da lavoura: cada seguradora tem um prazo para envio de peritos, mas geralmente em até 10 dias úteis
Tempo médio para recebimento da indenização: em até 30 dias após receber toda a documentação, conforme determinado pela Superintendência de Seguros Privados (Susep)
Quem é o produtor segurado
Os maiores contratantes de seguro rural atualmente são os produtores de grãos. Em 2018, quase metade das apólices de seguro rural subsidiadas foram contratadas por produtores de soja (47%). Em valores, a cultura levou 42% dos recursos.
Na sequência, vêm as culturas de milho, trigo e arroz. Também entram na lista lavouras de frutas como maçã e tomate, entre outras.
A maior parte dos subsídios foi direcionada à região Sul (58,3%), seguida por Centro-Oeste (21%), Sudeste (17%), Nordeste (2,4%) e Norte (1,3%).
A grande maioria (85%) desses seguros atendeu pequenos e médios produtores, com importância segurada de até R$ 300 mil e subvenção de até R$ 10 mil por ano, segundo o Ministério da Agricultura.
“O grande [produtor] normalmente já está em municípios diferentes [o que minimiza o risco climático], se preocupa mais com o preço, faz hedge [proteção em bolsa contra a flutuação de preços]. O foco é o produtor pequeno e médio, que não tem condições de ter outro instrumento de gestão de risco que não o seguro, principalmente pelo clima”, diz Loyola.
Fonte: G1