Laudos comprovam a contaminação de produto em novo polo vitivinícola do Estado e também áreas de oliveiras.
A contaminação de parreirais por 2,4-D, um dos defensivos agrícolas usados em lavouras de soja, deve levar produtores de cidades gaúchas a colherem até 40% menos uvas do que o esperado. A região mais atingida é a da Campanha, na fronteira com o Uruguai, onde nos últimos 15 anos vêm se estabelecendo um novo pólo vitivinícola.
Clori Giordani Peruzzo é presidente da Associação dos Produtores de Vinhos Finos da Campanha Gaúcha, que reúne 17 vinícolas. Ela explica que danos foram registrados em Quaraí, Dom Pedrito, Santana do Livramento, Candiota e Bagé, mas variam de acordo com a distância entre parreirais e as lavouras de soja. O prejuízo médio, no entanto, é estimado entre 30% e 40%.
A colheita começou em janeiro, e deve seguir até o início de março. A projeção da quebra de safra é feita com base nas parreiras que não cresceram como deveriam, já que o 2,4-D altera o desenvolvimento das folhas, ramos e cachos. O agrotóxico é o segundo mais vendido no Brasil segundo o Ibama, e é utilizado para eliminar ervas daninhas antes do plantio da soja.
Peruzzo lamenta os prejuízos justamente quando as parreiras estavam chegando ao auge de produção e de qualidade da uva, o que só acontece cerca de quinze anos após o plantio:
“Tá todo mundo preocupado porque é impactante no bolso. As parreiras, especialmente de uvas finas, demandam alto investimento e muito trabalho. E agora perder assim.. Porque pegar uma chuva de granizo é da natureza, mas isso não é né”.
O problema da contaminação pelo 2,4-D começou há cerca de cinco anos, e está relacionado à expansão da soja pela metade sul do Rio Grande do Sul. Em 2015, o Ministério Público Estadual (MPE) abriu um inquérito para investigar o caso, que está em fase de conclusão. No início de janeiro, a Promotora de Justiça Anelise Grehs, coordenadora do Núcleo de Resolução de Conflitos Ambientais (NUCAM), recebeu os laudos de exames químicos e o relatório final elaborado pela Secretaria Estadual da Agricultura, Pecuária e Irrigação.
Um dos encaminhamentos em análise é a criação de regras determinando uma distância mínima de aplicação do 2,4-D.
Foram feitos laudos de 80 coletas de plantas em 56 propriedades rurais. Destes, 69 deram positivo para a presença do 2,4-d. Os resultados se referem não apenas à Campanha, mas também a cidades de outras regiões como Encruzilhada do Sul, na Serra do Sudeste, e Jaguari, próximo a Santa Maria. “É um problema estadual”, diz a Promotora.
Uma reunião na última quinta-feira (17) em Porto Alegre buscou uma solução conjunta para o problema, mas não houve acordo entre produtores de uva e de soja. Segundo a promotora, caberá à Promotoria de Justiça de Porto Alegre (com jurisdição estadual) seguir com o inquérito e avaliar possíveis medidas judiciais.
Um dos encaminhamentos em análise é a criação de regras, por parte do Poder Executivo, determinando uma distância mínima de aplicação do 2,4-D de núcleos urbanos e de culturas sensíveis. Grehs também não descarta que seja pedida a proibição do uso do agrotóxico no Estado: “Se se verificar que estas outras providências não são efetivas, não fica descartada esta opção através de uma medida judicial”.
A Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul é contra qualquer forma de proibição, inclusive da criação de distâncias mínimas para aplicação do 2,4-D. Para Domingos Lopes, presidente da Comissão de Meio Ambiente da Farsul, a prioridade tem que ser a correta aplicação do produto, de modo a excluir a possibilidade de extravasamento para outras áreas:
“Se tu realiza uma boa aplicação agronômica de qualquer defensivo, não pode ter deriva. Então por que tu vai botar regra, se não pode ter deriva?”
Em agosto do ano passado o Sistema Farsul lançou o programa Deriva Zero, que promove palestras aos produtores rurais sobre os cuidados na aplicação de agrotóxicos, como a calibragem correta dos equipamentos e a observação das condições climáticas. Já foram realizados 28 eventos em cinco municípios gaúchos, com a participação de 375 produtores.
Região ficou forte em produção de vinhos
O solo arenoso, rico em granito e calcário, a grande variação de temperatura entre o dia e a noite, verões quentes e secos. São características da Campanha gaúcha que favorecem à produção de uvas com altos níveis de açúcar e baixa acidez, excelentes para os vinhos finos.
A participação da região na produção de uvas finas (viníferas), que era de 11,76% no período 1996/2000, passou para 19,86% no quinquênio 2011/2015 (dados do Cadastro Vitícola da Embrapa). Segundo Peruzzo, a região já é a segunda maior produtora de viníferas do Brasil.
Sinval Fernandes cultiva 28 hectares de parreiras em Santana do Livramento e faz consultoria para outros seis produtores da região. Há 28 anos ele incentiva a vitivinicultura na Campanha. Hoje, teme que as grandes vinícolas comecem a deixar a região:
“A gente lutou tanto para divulgar e vender esta ideia de um vinhedo lucrativo à comunidade agrícola, e agora a gente vê este fator externo com uma preocupação muito grande, a ponto de pôr em risco nossa atividade no curto e médio prazo se não tomada uma providência”.
A contaminação pelo 2,4-D também ameaça as oliveiras (Foto: Dandy Marchetti/Ibravin)
Sinval também receia que as repetidas contaminações por 2,4-D reduzam a vida útil das parreiras:
“Hoje eu invisto R$ 150 mil para implantar um hectare de vinhedo, projetando 25 safras na vida útil dela. O receio que e a gente tem é que um vinhedo venha a ficar inviável economicamente aos 10, 12 anos”.
Hélio Marchioro, diretor executivo da Federação das Cooperativas Vinícolas do Rio Grande do Sul (Fecovinho) e conselheiro do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), não tem dúvidas de que produtores e investidores vão deixar a atividade se nada for feito:
“A Cooperativa Agrária São José, em Jaguari, está operando com 30% da capacidade de produção. Uma cooperativa com mais de 80 anos que está contando os dias para ver se não vai ter que fechar, porque está se sustentando comprando uva de fora”.
Oliveiras também são atingidas
A contaminação pelo 2,4-D também ameaça outra aposta econômica do Rio Grande do Sul. As oliveiras começaram a ser implementadas de forma incipiente em 2005, e foram ganhando força com a criação de um Grupo Técnico pela Secretaria da Agricultura, em 2008, e do Programa Estadual de Desenvolvimento da Olivicultura, em 2015.
Em 2017, o governo do Estado lançou o primeiro Cadastro Olivícola, que cadastrou 145 produtores em 56 municípios. Em 2017, a produção de azeite de oliva gaúcha foi de quase 58 mil litros. As principais regiões produtores são a Serra do Sudeste e a Campanha, que vem sofrendo com o problema do 2,4-D.
Cláudio Martin Damboriarena Escosteguy cultiva nove hectares de oliveiras em Santana do Livramento. Neste ano as plantas estariam entrando em idade produtiva, mas o desenvolvimento das oliveiras está aquém do esperado:
“Tem havido um aborto de flores e de pequenos frutos que eu atribuo ao 2,4-D. Porque a época de floração da oliveira coincide com a aplicação de 2,4-d em pelo menos uma lavoura de soja que fica próxima à minha área”.
Escosteguy, que também produz uvas, tem laudos que comprovam a presença de 2,4-D tanto nas videiras como nas oliveiras de sua propriedade.
Fonte: Globo Rural