As chuvas irregulares em partes do Brasil, que vêm afetando as lavouras de soja, também começam a impactar os canaviais do país, que estão mais suscetíveis a perdas devido ao envelhecimento das plantas após anos de renovações aquém do ideal, disseram especialistas.
A cana-de-açúcar é, a princípio, mais resistente que a soja em momentos de adversidades climáticas, mas mesmo assim precipitações longe da normalidade e temperaturas elevadas nas últimas semanas acendem o sinal de alerta no setor quanto a uma potencial queda de produtividade, justamente porque as plantações estão mais debilitadas.
Problemas na safra 2019/20 do centro-sul do Brasil, que tem início em abril, poderiam mexer ainda mais com o balanço de oferta global de açúcar, cujas estimativas nos últimos meses têm passado de superávit para déficit, com provável reflexo nos preços da commodity na ICE.
“Novembro foi um mês bom (de chuvas) e dezembro já deixou a desejar. Como pode ser o impacto, ainda é um pouco cedo para se falar, mas as usinas estão um pouco preocupadas… Se a gente começar a ver que janeiro segue da mesma forma, a preocupação vai ficar maior e vai afetar as expectativas de maneira mais expressiva para a 2019/20”, afirmou o head de açúcar e etanol da INTL FCStone, Bruno Lima.
Para 2019/20, a consultoria já prevê uma moagem de cana ligeiramente menor no centro-sul na comparação com 2018/19 por causa da idade avançada dos canaviais, na casa de 3,8 anos. A expectativa é de um processamento de 564,7 milhões de toneladas.
“O canavial está debilitado”, resumiu.
Na avaliação do agrometeorologista Marco Antonio dos Santos, sócio-diretor da Rural Clima, as reformas de plantações até estão ocorrendo, “mas ficam para 2020”.
“Talvez não tenhamos uma produção maior que a de 2018”, disse. “São chuvas irregulares, estão trazendo apreensão de fato para os produtores, porque além disso as temperaturas também estão elevadas, o que impulsiona a evapotranspiração das plantas. A cana está passando por problemas assim como outras culturas.”
Para ele, “vai ter uma redução sim (na safra de cana) por causa do clima, mas o que mais vai acentuar é a idade do canavial”.
ABAIXO DO NORMAL
Dados do Agriculture Weather Dashboard, do Refinitiv Eikon, mostram que as chuvas em São Paulo, principal produtor de cana do Brasil, ficaram abaixo da média em todas as regiões do Estado nos últimos 30 dias. Em Ribeirão Preto, maior polo canavieiro do país, choveu 141,8 milímetros a menos.
As precipitações também foram inferiores em Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais, outros importantes produtores de cana. No Triângulo Mineiro, por exemplo, foram 121,3 milímetros a menos ante a média para esta época.
E a previsão para as próximas duas semanas não é das melhores. O centro-sul como um todo receberá chuvas abaixo do normal, com Ribeirão Preto e o Triângulo Mineiro com precipitações 36,6 e 60,8 milímetros aquém da média, respectivamente.
Santos, da Rural Clima, explicou que a razão por trás dessa irregularidade é o chamado El Niño Modoki, um aquecimento heterogêneo das águas do Oceano Pacífico. Em alguns momentos, o comportamento climático se assemelha mais a um La Niña, destacou.
“Sem a influência direta de um fenômeno climático (El Niño/La Niña), as frentes frias e os corredores de umidade ficam extremamente voláteis, cada momento em uma região da América do Sul. Por isso que as chuvas estão ocorrendo, mas sempre na forma de pancadas irregulares”, afirmou.
Produtores das principais regiões de soja do Brasil já relataram perdas de produtividade devido à irregularidade climática. A quantificação dos problemas, no entanto, tem sido difícil até o momento.
Fonte: Reuters