Um galinheiro caipira com cotas raciais precisaria de dezenas de poleiros. No convívio diário, haveria com certeza muita confusão entre galos de bombacha, galinhas do pescoço pelado e as minorias: aves nanicas ou com penas multicoloridas. Algumas estariam chocando ovos azuis e boa parte, ovos vermelhos. Penas e ovos brancos seriam exceções.
O frango com o qual o Paraná lidera as exportações – com mais de 100 mil toneladas de carne ao mês, cerca de um terço dos embarques nacionais –, no entanto, destoa no terreiro. Seu reino é mesmo o aviário climatizado, um dos elos da indústria de carne, numa cadeia que começa nas lavouras de milho e soja e termina em sistemas de abate desenhados conforme o gosto do cliente, mesmo que ele esteja além do Atlântico.
O próprio cacarejar no sítio– com galos cantando de madrugada ou gritando em brigas e perseguições, e com galinhas escandalosas anunciando seus ovos ou engrossando a voz para proteger a ninhada –é muito diferente que o piar coletivo nos aviários industriais. Não se trata de preferência, mas não há como confundir o canto de um garnisé invocado, no meio da cozinha, com o entoar tímido de um galo de granja.
Mesmo que a diferença esteja só na cor das penas, pode ser caso de vida ou morte. Antes de existirem galinheiros – ou na falta de um abrigo fechado – galinhas carijós, pretas, acinzentadas ou amarelas dormiam em galhos de árvores baixas como limoeiros e ameixeiras. Boa parte ficava invisível na escuridão das noites de terror, quando ataques mortais de raposas e cães famintos desfalcavam o bando. Vistas à distância, principalmente em noites de lua ou relâmpagos, as galinhas e galos brancos tinham poucas chances.
Mas foram as galinhas e galos ‘de granja’, sem uma única pena escura, que se multiplicaram. Para liderar as exportações do Brasil, o Paraná produz cerca de 1,5 bilhão de frangos ao ano – sete por habitante do país. Os frangos brancos de raças industriais são considerados incríveis por converterem 1,8 quilo de ração em um quilo de carne, o melhor índice de produção do mercado. Tiraram outras galinhas do puleiro, mas não eliminaram a diversidade do terreiro.
Terreiro sertanejo
Há 170 raças de galinhas listadas em bancos de dados sobre a espécie. Conheça variedades bastante comuns no interior do país.
Pescoço pelado
Galo ou galinha do pescoço pelado é raça caipira trazida da Europa (Alemanha, Portugal, Hungria, França). O pescoço da ave não tem pena desde a ninhada. Quem compra carne de frango caipira no supermercado já deve ter saboreado essa espécie, que é criada em escala por ter boa massa de carne. Uma ave de 4 a 5 meses passa de 3 quilos com facilidade. A variedade originada na França foi desenvolvida mais recentemente, há cerca de três décadas, e é chamada de Label Rouge (foto).
Garnisé
Esse nome na verdade refere-se a diversas raças nanicas, menores que a galinha doméstica comum. O garnisé que vive no interior do Brasil teria sido trazido da Grã-Bretanha (da ilha de Guernsey, que fica no Canal da Mancha). É como um pássaro que vive no chão – pesa menos de meio quilo na idade adulta e serve mais para enfeitar o sítio do que para produção de carne. Como representa diversas raças, também tem muitos nomes: galinha-do-reino, galinha-da-costa ou galisé.
Carijó
Só menos famoso que a Galinha Pintadinha entre as crianças, o galo carijó é um sertanejo que pertence a uma das raças da classe americana – sim, há grupos para as raças portuguesas, americanas, asiáticas, inglesas, mediterrâneas e continentais. O nome da raça de pena rajada (que também pode nascer totalmente branca) é Plymouth Rock. A variedade ganha espaço no terreiro porque é boa tanto para carne quanto para ovos.
Bombacha
Galos e galinhas que têm as pernas cobertas de penas – como se estivessem de calças compridas – pertencem às raças Brahma e Cochinchina – que integram a classe asiática e partem de países como a China. Têm passaporte carimbado para o Rio Grande do Sul, onde são chamados de “galo de bombacha”, traje típico gaúcho. No site do governo do estado, há inclusive uma nota dizendo que o galo de bombacha “é atração” entre as aves fêmeas expostas na feira agropecuária Expointer, onde chega a custar R$ 150. O galo de bombacha chega a 5 quilos.
Índio gigante
No meio do terreiro, têm surgido galos e galinhas bem mais altos, com até um mêtro. Tamanha envergadura só pode ser do Índio Gigante, uma raça importada que figura também entre as aves ornamentais. Importa-se reprodutores, que se multiplicam e acabam se misturando no meio de outras raças. As galinhas mistas na verdade são maioria na criação doméstica, menos preocupada com a conversão de ração em carne.
Galinhas raras
As galinhas têm perto de 170 raças, muitas delas ornamentais, que não estão livres de ameaças. Apreciadores, que muitas vezes lotam gaiolas e quintais simplesmente por gostar desse tipo de ave, ajudam a preservar as mais escassas. Mas mesmo entre as raças portuguesas: Palheirinha, Rosa, Amarela, Branca, Pedrês e Preta Lusitânica, as quatro últimas são classificadas como raras. Haveria menos de 2 mil fêmeas de linha pura dessas quatro famílias no planeta.
Fonte: Gazeta do Povo