Em uma semana crucial para as negociações do Acordo de Paris na cidade polonesa de Katowice, um estudo divulgado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (Pnas) indica que, em dois séculos, a atividade humana reverteu uma tendência de resfriamento do globo iniciada há 50 milhões de anos. O trabalho, da Universidade de Wisconsin-Madison, é mais uma evidência científica da influência antropogênica na alteração do clima do planeta.
O artigo foi publicado dois dias depois de Estados Unidos, Kwait, Rússia e Arábia Saudita desferirem um golpe contra o tratado internacional discutido na Conferência do Clima, que visa frear o aquecimento da atmosfera. Os quatro países vetaram citações ao relatório mais recente do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU) no “livro de regras”, o manual de operações do Acordo de Paris. Com isso, fica de fora a menção à necessidade de não se ultrapassar um aumento de 1,5ºC na temperatura até 2050, meta considerada fundamental para a redução das emissões de gases de efeito estufa.
Enquanto isso, pesquisadores da Universidade de Wisconsin-Madison indicam que, sem diminuir o lançamento de CO2 equivalente para a atmosfera, em 2030, o clima do planeta voltará mais de 3 milhões de anos no tempo geológico, com a Terra se parecendo ao que era no Plioceno Médio. Já em 2150, o modelo desenvolvido pelos paleogeógrafos Kevin Burke e John Williams preconiza uma viagem ainda mais distante no tempo. Se nada for feito para reduzir as emissões, o clima poderá ser tão quente e praticamente sem cobertura de gelo quanto era no Eoceno, há 50 milhões de anos.
“Se pensarmos no futuro em termos do passado, o local para onde estamos indo é um território inóspito para a sociedade humana”, afirma Burke, professor de geografia na instituição e primeiro autor do artigo. “Estamos nos direcionando para mudanças muito dramáticas em um espaço de tempo extremamente rápido, revertendo um padrão de esfriamento planetário em questão de séculos”, alerta. Ele lembra que todas as espécies que vivem hoje na Terra tiveram um ancestral que sobreviveu ao Eoceno e ao Plioceno, mas não se sabe se os seres humanos, a flora e a fauna atuais poderão se adaptar às rápidas alterações vivenciadas hoje. “A taxa acelerada de mudanças parece ser mais rápida do que qualquer coisa que a vida no planeta já viveu”, diz o especialista.
Projeções
O artigo publicado ontem remonta a um trabalho de Williams de 2007, no qual se comparou as projeções climáticas futuras a dados históricos do início do século 20. A nova pesquisa tem objetivo semelhante, mas faz um mergulho muito maior no tempo geológico e expande as comparações.
“Podemos usar o passado como um critério para entender o futuro, que é tão diferente de qualquer coisa que tenhamos experimentado em nossas vidas”, assinala Williams, em nota. “As pessoas têm dificuldade para projetar como será o mundo daqui a cinco ou 10 anos. Essa é uma ferramenta para prever isso”, explica.
No Eoceno, os continentes estavam muito mais próximos e as temperaturas globais eram, em média, 13ºC mais altas do que as registradas hoje. Os dinossauros tinham sido extintos havia pouco tempo, enquanto os primeiros mamíferos, como os ancestrais de baleias e cavalos, espalhavam-se pelo globo. O Ártico era ocupado por florestas pantanosas. Já no Plioceno, quando as Américas do Sul e do Norte encontravam-se unidas por placas tectônicas, o clima era árido e havia muitas pontes de terra que permitiram aos animais se espalharem. Naquela época, o Himalaia se formou. As temperaturas eram entre 1,8ºC e 3,6ºC maiores, comparadas ao presente.
No estudo, os pesquisadores da Universidade de Wisconsin-Madison, com colaboração de colegas das universidades de Bristol, Columbia e Leeds, além do Instituto Goddard de Estudos Espaciais da Nasa e do Centro Nacional de Pesquisas Atmosféricas dos EUA, examinaram as semelhanças entre as projeções climáticas futuras feitas pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e vários períodos da história geológica. Isso incluiu o Eoceno precoce, o Plioceno médio, o último período Interglacial (129 mil a 116 mil anos atrás), o Holoceno médio (6 mil anos atrás), a era pré-industrial (antes de 1850) e o início do século 20.
IPCC
Os cientistas utilizaram um cenário desenhado pelo IPCC, o Padrão de Concentração Representativa 8,5, que significa um cenário climático futuro no qual não se conseguiu mitigar as emissões de gases de efeito estufa. Também aplicaram o padrão RPCP 4,5, que prevê um mundo com reduções moderadas das emissões. Esses dados foram jogados em três diferentes modelos bem estabelecidos pela ciência.
Sob ambos os cenários, e em cada modelo testado, o clima da Terra assemelhou-se ao do Plioceno médio (considerando o RCP 8,5) em 2030 ou em 2040 (sob o padrão RCP 4,5). Caso haja estabilizações das emissões, o clima se manterá nas condições de 3 milhões de anos. Do contrário, começará a se assemelhar ao planeta de 50 milhões de anos atrás por volta de 2100, atingindo o ápice de calor em 2150. Os modelos indicam que as alterações começarão pelos centros dos continentes, se expandindo ao longo do tempo. A temperatura aumentará, as calotas polares derreterão, e os polos Sul e Norte se transformarão em regiões temperadas.
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Outra constatação do estudo é que, sob o cenário RCP 8,5, condições geológicas desconhecidas ocorrerão em 9% do globo, concentradas no sudeste asiático, no nordeste da Austrália e no litoral das Américas. “Nos cerca de 20 a 25 anos que tenho trabalhado em campo, passamos de esperar que a mudança climática acontecesse para detectar os efeitos, e agora, investigamos os danos causados. As pessoas estão morrendo, estamos vendo incêndios intensificados e aumento no número de tempestades, que podem ser atribuídos à mudança climática”, diz John Williams.
“Vimos grandes coisas acontecerem na história da Terra: novas espécies evoluíram, a vida persiste e espécies sobrevivem. Mas muitas serão perdidas e nós vivemos nesse planeta. São coisas com o que se preocupar, e esse trabalho nos aponta como podemos usar nossa história e a história da Terra para entender as mudanças e a melhor forma de nos preparar para elas.”
Fonte: União dos produtores de Bioenergia