Uma startup americana financiada por um fundo com capital brasileiro está desenvolvendo carne de peixe de laboratório e espera chegar ao mercado dos Estados Unidos até 2020. Fundada no ano passado pelos empresários Michael Selden e Brian Wyrmas, a Finless Foods tenta entrar em um segmento da indústria alimentícia que vem sendo chamado de “proteína limpa”, com a proposta de fornecer alimento saudável sem impacto sobre a natureza.
Os dois sócios se conheceram há oito anos, quando estudavam bioquímica e biologia molecular na Universidade de Massachusetts Amherst. Selden contou à Globo Rural que começou a pensar na ideia em 2014, após ler uma reportagem que falava das propriedades do sangue do límulo.
Também conhecido como caranguejo-ferradura, ele é procurado pela indústria farmacêutica, já que seu sangue serve para atestar a qualidade de produtos. Ao menor indício de uma bactéria ou toxina bacteriana, o líquido transforma-se em geleia. O artigo “The Blood Harvest” (“A Colheita de Sangue”, em tradução livre), da revista The Atlantic, falava em 500 mil animais capturados por ano, boa parte devolvidos à natureza após o procedimento. Entretanto, segundo a reportagem, impactava o hábitat e a população do animal.
O texto contava a iniciativa de um grupo de cientistas que se uniu para criar uma substituição sintética da substância, em um esforço para evitar a extração do sangue natural e salvar a população do animal. Baseado na história, Selden resolveu usar conceito semelhante para a produção de carne.
“Ao ler o artigo, eu pensei, se podemos substituir o sangue do caranguejo, por que não podemos simplesmente substituir toda a produção animal?”
A escolha da carne de peixe, conta, uniu a preocupação com o ambiente e com a alimentação saudável.
“O peixe alguns elementos realmente saudáveis. Ácidos graxos como Ômega 3 e Ômega 6, por exemplo, que são muito importantes para a nossa saúde”, diz.
No entanto, acrescenta, “os oceanos estão se enchendo de plástico e mercúrio devido à poluição e às mudanças climáticas. Isso significa que nossa comida, consumida diariamente, pode estar fazendo mal ao nosso corpo, sem que sequer saibamos.”
E menciona que, nos Estados Unidos, mulheres de 16 a 48 anos estão sendo recomendadas a não comerem grandes peixes carnívoros por causa da concentração de mercúrio.
Produção muscular
O desenvolvimento em laboratório da carne de peixe, explica Selden, passa por uma análise do funcionamento químico de determinada espécie para entender como suas células crescem.
“Depois, tentamos copiar isso da melhor maneira possível ‘fora’ do peixe. Basicamente, o nosso trabalho é recriar o processo de produção muscular”.
Nesse procedimento, há o desafio de reproduzir não só a forma ou a textura, mas também, o sabor do alimento.
“Estamos trabalhando com células reais de um peixe real. O sabor, portanto, já está presente. Ainda falta um pouco para acertamos a textura correta, mas já fizemos grandes avanços nessa área”.
A previsão da empresa é que seus produtos estejam prontos para o mercado dos Estados Unidos até o final de 2019. Mas Selden pondera que, por questões regulatórias, a aprovação e o lançamento oficial devem ser empurrados para 2020.
“O primeiro passo para conquistar o consumidor é fazer com que as pessoas parem de chamar esse tipo de produto de ‘peixe de laboratório’. Além de ser um nome grosseiro, é impreciso, pois nossa pesquisa é em um laboratório, sim, mas a unidade de produção será uma fábrica, como quase todas as comidas que comemos”, afirma Selden. “Se você for a uma cervejaria, também encontrará um laboratório em que pessoas de jaleco branco usam equipamentos científicos para aprender coisas novas sobre o que produzem”.
Mas a importância da nomenclatura, diz o CEO, também é uma questão de saúde pública.
“O que estamos fazendo precisa ser chamado de ‘carne de peixe’. No aspecto celular, é a mesma carne que as pessoas estão comendo agora. Então, se alguém é alérgico a pescado, será com certeza alérgica ao nosso produto. Não chamá-lo de ‘peixe’ pode ser um risco. Nós estamos reproduzindo o processo bioquímico exato que ocorre dentro do animal”.
Financiamento
O fundo de investimentos que financia a Finless Foods também é uma ideia nova. Fundada no ano passado pela empresária Bárbara Minuzzi, a Babel Ventures tem capital majotariamente brasileiro. Os recursos — cerca de R$ 120 milhões para investir em 10 anos — vieram de 21 famílias, 20 de brasileiros e uma de holandeses.
À Globo Rural, ela explicou que um dos focos da Babel é a busca por soluções para a alimentação do futuro. É um investimento que vale o risco.
“A maneira como produzimos alimentos hoje é insustentável. Essa é uma questão que sempre me preocupou. Ideias como a Finless Foods podem transformar o setor de peixe, caminhando para uma produção mais sustentável. Então não temos medo de investir nesse tipo de tecnologia”.
“Estamos animados com essa parceria, realmente felizes de ter o fundo a bordo conosco”, conta Selden, da Finless Foods. “Com esta rodada de financiamento, estamos finalizando nosso primeiro estágio de pesquisa e desenvolvimento. Com isso, estaremos prontos para receber um financiamento ainda maior, que será para iniciar nossa produção piloto”.
Até agora, a Babel Ventures investiu US$ 3 mi em empresas do Vale do Silício. Desse valor, US$ 1 mi foi direcionado para as chamadas “proteínas limpas”. Fazem parte do portfolio do fundo uma fabricante de ração vegana para cachorros e uma startup que desenvolve carne suína em laboratório.
Fonte: Globo Rural