Girassol

SISTEMAS AGRÍCOLAS PARA O SEMIÁRIDO

Manter ou mesmo aumentar a produção, sem gerar custos adicionais e em equilíbrio com o ambiente. Esse foi o desafio que levou a equipe da Embrapa a desenvolver dois modelos de agroecossistemas multifuncionais que garantem a produção sustentável de frutas e hortaliças no Semiárido brasileiro. Como resultado, os cientistas conseguiram minimizar a emissão de carbono, reduzir em até 30% os custos com insumos e aumentar a produtividade de 20% a 30%.

Os estudos vêm sendo realizados há uma década, tendo como referência para a fruticultura o cultivo da mangueira e para as hortaliças, o do meloeiro, ambos de grande importância comercial para a região, com inserção nos mercados interno e externo. Os sistemas propostos envolvem a adoção de técnicas e manejos simples, como o uso de coquetéis vegetais e o plantio direto.

As pesquisas registraram um significativo incremento na qualidade e fertilidade do solo, com o aumento da retenção de carbono, evitando assim a emissão do elemento para a atmosfera na forma de gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O).

Os resultados mostraram que é possível reverter os danos ambientais provocados pelo setor agrícola e pelas atividades que modificam o uso da terra, responsáveis por cerca de 14% e 17%, respectivamente, da emissão dos gases de efeito estufa no planeta, de acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês).

Cultivos analisados

O plantio do meloeiro está em expansão nos estados de Pernambuco e Bahia e consolidado no Ceará e Rio Grande do Norte. O atual sistema de cultivo envolve a utilização de arações, gradagens e o preparo de camalhões como práticas de manejo de solo para o preparo da área.

Já os pomares de manga, concentrados no Vale do São Francisco, entre os estados de Pernambuco e Bahia, se estruturaram em torno da produção em larga escala, principalmente orientada para mercados de exportação. Ambos os cultivos dependem de irrigação e de insumos externos. Esses modelos, de acordo com a pesquisadora da Embrapa Semiárido Vanderlise Giongo, aceleram o processo de degradação do solo, diminuem o estoque de carbono e favorecem a salinização das áreas cultivadas.

Nos modelos de agroecossistemas sustentáveis propostos pela Embrapa, os experimentos de longa duração com a mangueira registraram, no terceiro ano de cultivo, um estoque no solo de 23,39 toneladas por hectare (Mg.ha-1) de carbono orgânico total (COT) e 4,50 Mg.ha-1 de nitrogênio total (NT), até 40 centímetros de profundidade. Os valores estão acima dos encontrados em áreas de cultivo convencional de mangueira (11,87 e 1,84 Mg.ha-1, respectivamente) e pouco abaixo das medições feitas no ambiente de Caatinga preservada: 35,06 e 4,83 Mg.ha-1.

O impacto das melhorias nas condições físicas, químicas e biológicas do solo se estendeu também à produtividade comercial. No cultivo do meloeiro, por exemplo, a produtividade variou de 36,14 a 49,87 toneladas por hectare. São quantidades superiores às médias nacional e nordestina, que são de 25,37 e 28,00 Mg.ha-1, respectivamente.

Agricultura sustentável e competitiva

“Os resultados mostram uma convergência de aumentos de produção e de qualidade do solo”, observa a pesquisadora Vanderlise Giongo.

Para ela, esses dados mostram a possibilidade de desenvolver uma agricultura comercial em bases competitivas sem degradar o ambiente.

A cientista acredita ainda que esses sistemas podem modificar atuais diagnósticos de degradação dos solos da Caatinga, submetidos a um processo intenso de degradação e desertificação provocadas, principalmente, pela ação humana.

“Isso se deve à atividade agropastoril extensiva, associada à substituição da vegetação nativa por culturas, principalmente por meio de queimadas e da retirada de madeira”, explica a pesquisadora, e completa com um alerta: “O desmatamento, associado ao manejo inadequado das terras e da água nos cultivos irrigados, também está levando à degradação e salinização dos solos”.

Uma questão-chave nas pesquisas coordenadas por Giongo é a inserção de diversidade no sistema agrícola. “O plantio de duas, três, quatro ou dez espécies é melhor do que o monocultivo”, explica. Nas áreas de testes, ela tem composto um coquetel vegetal com 15 espécies de oleaginosas, leguminosas e gramíneas, além daquelas de ocorrência espontânea e que os sistemas convencionais de plantio recomendam o corte por serem consideradas “daninhas”.

Algumas plantas do coquetel, as leguminosas, têm a habilidade de se associar a bactérias, que captam nitrogênio da atmosfera. Outras aprofundam suas raízes e captam nutrientes como fósforo e potássio, que estão de 60 centímetros a um metro de profundidade, e armazenam na sua parte aérea. Depois, elas são cortadas e deixadas no local para decomposição e liberação desses nutrientes para as camadas superficiais do solo.

Outra base para os modelos propostos é o plantio direto, sem revolvimento do solo. Embora sirva para todos os sistemas, essa técnica é especialmente importante para o Semiárido, onde os solos são mais arenosos, apresentando uma porosidade que não permite a retenção de água.

Nesse caso, a pesquisadora explica que é necessário manter o solo coberto, de forma a diminuir a evapotranspiração, além de manter os canais preferenciais de água formados pelas raízes, possibilitando a formação de pequenos agregados.

“Além disso, a decomposição das raízes aumenta a meso, micro e macrofauna do solo, estruturando toda uma comunidade viva que vai retroalimentando as redes”, detalha. Quando o solo é revolvido, essas estruturas formadas ao longo do tempo são quebradas.

“É preciso dar tempo para que o sistema vá se estruturando biologicamente. Então você tem benefícios físicos e químicos, mas que advém de um benefício biológico”, observa. Giongo conta que, com esse manejo, forma-se um universo rico em transformações e em comunidades de insetos, nematoides, lagartixas, pássaros, plantas, raízes, a cultura, e o próprio agricultor, interagindo uns com os outros. “Esse processo evolui para aumentar a matéria orgânica do solo (MOS) e é reservatório de carbono orgânico (CO) no ambiente terrestre”, afirma.

“A diversidade é um modo de inserir vida nos sistemas de cultivo, que pode ser percebida nas mudanças de cor, no tato, no cheiro do solo, e no estar próximo à natureza sem degradar”, argumenta a cientista, ressaltando que os sistemas mantêm a competitividade da lavoura ao alcançar médias produtivas semelhantes ou superiores aos processos convencionais, além de obter maior eficiência no uso da água.

De acordo com a pesquisadora, o modelo proposto pela Embrapa tem um custo inicial maior que os sistemas convencionais, em razão da aquisição das sementes para os coquetéis. Ela destaca, no entanto, que esse custo vai se diluindo ao longo do tempo. Além disso, para a agricultura familiar, as sementes para os ciclos seguintes podem ser produzidas na propriedade

Menos insumos e custos

Segundo a cientista, foi observada uma redução de custos entre 20% e 30% em diversos aspectos da produção. Somente em adubação nitrogenada foi possível a retirada de cerca de 500 quilos ao ano, já que os sistemas adicionam até 250 quilos de nitrogênio por hectare. Também diminuiu a necessidade de água dos cultivos, além da redução na aplicação de fungicidas e inseticidas, pois a dinâmica das populações do local muda.

Para Giongo, no entanto, os benefícios vão muito além da eficiência econômica. “Que valor você atribui ao acesso à água de qualidade? Ao ar que você respira? Ao ambiente em que você vive? São coisas intangíveis”, reflete. “Que serviços ecossistêmicos esses agroecossistemas estão prestando além de fornecer alimento, fibra e energia?”, complementa.

“Nós não estamos preparando o agricultor para uma corrida de 100 metros. A gente prepara para uma maratona”, brinca a pesquisadora, afirmando que esse sistema é “infinitamente durável”. Para ela, “a Embrapa está entregando para a sociedade modelos que se baseiam em uma filosofia de agricultura sustentável, moderna, alinhada com esses conceitos atuais que a sociedade tanto necessita para o desenvolvimento”.

Fonte: Embrapa



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