A guerra comercial entre os EUA e a China, deflagrada neste ano por iniciativa da administração Donald Trump, é de difícil solução porque envolve muito mais que um mero rearranjo de políticas e condições tarifárias.
A opinião é do PhD e presidente executivo da trading chinesa Hopefull Grain and Oil, Lin Tan, que nesta semana deixou o Estado do Iowa, onde vive atualmente, para viajar a Cuiabá e apresentar aos produtores de Mato Grosso um panorama do mercado da soja em meio a este cenário.
“É muito difícil resolver o problema. Não é apenas uma questão de dinheiro, é mais como uma questão estrutural, política ou mesmo uma questão de filosofia”, disse o executivo, em entrevista à GLOBO RURAL, pouco antes de sua palestra na abertura da 4ª edição do Prêmio Sistema Famato em Campo.
Com mestrado e doutorado em Economia Agrícola pelas universidades de British Columbia e Florestal da China, Lin Tan foi professor e pesquisador da Universidade de Agricultura da China e também trabalhou para empresas de consultoria como a China Food and Agricultural Services. Atualmente, é responsável pelos setores de negócios internacionais e novos negócios do Grupo Hopefull.
Sobre os reflexos da crise para o Brasil, ele diz ver uma perspectiva favorável apenas em curto prazo – e somente se mantido o atual impasse.
“Se o conflito chegar ao fim com um acordo que envolva a compra pela China de mais soja dos EUA, pode ser muito ruim para os produtores brasileiros.”
GLOBO RURAL – Até que ponto é correto o uso do termo “guerra” para explicar a atual disputa comercial entre os EUA e a China?
Lin Tan – Ambos os lados, China e EUA, não qualificam essa disputa como uma guerra. Foi o próprio Trump quem disse: nós, americanos, já perdemos a guerra comercial para a China há 20 anos. Isso significa que, nos últimos 20 anos, a China aproveitou essa vitória. Já a China diz: isso é um tipo de conflito de tarifas. Então, ninguém concorda que isso é uma guerra comercial. Os EUA colocaram tarifas nos produtos chineses e a China impôs tarifas nos produtos dos EUA. A questão é que eles querem uma negociação. Então, a tarifa é para abrir a negociação.
GR – Você é otimista com a possibilidade de uma solução em curto prazo?
Lin Tan – Não mesmo. É muito difícil resolver o problema. Não é apenas uma questão de dinheiro, é mais como uma questão estrutural, política ou mesmo filosófica. Nos últimos anos, a negociação foi terrível. Não há resultado. Vamos ver como eles podem resolver o problema. O fato é que, para além da questão da balança comercial, há outras divergências que podem entrar na pauta, como a proteção a direitos sobre a propriedade intelectual, por exemplo. E aí a situação se complica.
GR – Quais as consequências atuais para o mercado mundial de soja?
Lin Tan – Não estamos comprando nenhum grão dos EUA agora. Se você pensar em todas as fontes alternativas de soja no mundo, só temos Brasil e Argentina, praticamente. O Brasil é o fornecedor número um. Tentamos comprar mais do Brasil, mas os agricultores já venderam quase todo o produto. É o momento da entressafra. Então é preciso mais grãos e não sei como a China irá resolver o problema. Há algumas tentativas em andamento, como cortes no consumo, uso de algum substituto, outros fornecedores, mas não tem sido o suficiente.
GR – E para o Brasil?
Lin Tan – O produtor brasileiro terá alguma vantagem no curto prazo se o atual impasse entre EUA e China se mantiver. No longo prazo, porém, a tendência é que a Europa deixe de comprar a soja brasileira para aproveitar o excedente americano, o que vai forçar o mercado a se readequar. Agora, no caso de um acordo que ponha fim ao conflito, e que envolva a compra de um percentual maior de soja americana pela China, a consequência será negativa para os brasileiros em um primeiro momento.
GR- Algumas recentes declarações do presidente eleito Jair Bolsonaro provocaram um descontentamento no lado chinês. Acredita que uma mudança de posicionamento possa arranhar a atual relação entre os dois países?
Lin Tan – O que se fala antes da eleição não tem tanta importância. O que realmente importa é o que você faz depois de eleito. Eu acho que, partindo da situação atual entre a China e o Brasil, em que não há conflitos, não faz sentido o futuro governo assumir uma posição de enfrentamento. Depois de eleito, você tem que pensar em sua economia, no seu déficit comercial e, obviamente, nas relações com o seu maior parceiro comercial. Eu não acho que isso vai ser um grande problema.
Fonte: Globo Rural