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ALIMENTOS EM UM PAÍS EM GUERRA

Todas as vezes que Patrick Okello tem que ir para a roça, ele precisa explicar aos soldados o que vai fazer. É isso ou levar 50 chibatadas.

“Eles estão sempre observando e suspeitando”, afirma o agricultor de 43 anos, que produz milho e mandioca nos arredores de Pajok, sua cidade natal no Sudão do Sul, na região de Grande Equatoria.

Esse vasto e agora pouco povoado território se tornou um importante palco em uma guerra civil de quatro anos, na qual forças do governo são acusadas de assassinar moradores, queimar suas casas e roubar comida, ao mesmo tempo em que perseguem as forças rebeldes. O exército nega as acusações.

Manter a sua propriedade não é apenas uma questão de sobrevivência para Okello. Equatoria já foi conhecida como o celeiro do Sudão, com produção de milho, sorgo e vegetais que alimentavam toda a nação, incluindo a região mais rica, o Norte petroleiro, que passou a ser assolado pela fome desde o ano passado.
De celeiro a terra arrasada

Desde que as batalhas se espalharam por Equatoria em meados de 2016, a produção agrícola entrou em colapso. A confederação internacional Oxfam, composta por 17 organizações, prevê uma situação de fome ainda pior para esse ano. O conflito que teve início no país mais novo do mundo, em 2013, já custou a vida de dezenas de milhares de pessoas.

“A violência e a insegurança na Grande Equatoria significam que a produção de alimentos está caindo ano a ano”, afirma Ranjan Poudyal, diretor da Oxfam no Sudão do Sul. “Os produtores rurais que ficaram podem cultivar apenas nas terras próximas de suas casas, devido ao medo e ao risco de irem até locais mais distantes”.

Isso vem contribuindo para uma fome sem precedentes, mesmo durante a recente colheita de safra, normalmente o período mais abundante do ano.

Ex-moradores descrevem os assentamentos de Equatoria como um lugar de cidades fantasmas, com edifícios perfurados por balas, além de portas e janelas destruídas por saqueadores. Sobraram, apenas, aldeias em ruínas. Os civis fugiram para países vizinhos, como Uganda e República Democrática do Congo, aumentando o número de cerca de 2 milhões de pessoas nas fronteiras que tentam escapar do Sudão do Sul e colocando à mostra o que as Nações Unidas chamaram em março da crise de refugiados com crescimento mais rápido.

Grupos de ajuda já solicitaram US$ 1,72bilhão em fundos para operações no interior do país. Estima-se que 5,1 milhões de pessoas – praticamente metade da população – irão sofrer com a falta de alimentos neste primeiro trimestre, devido à insegurança e ao acesso limitado a propriedades rurais e a supermercados.
Direitos humanos

Em Equatoria, como em todos os lugares, não-combatentes sofrem com o peso da violência. Forças do governo responder rotineiramente a embocadas de rebeldes com “represálias ilegais contra civil que moram em áreas rebeldes e têm a mesma etinia”, destacou um comunicado da Organização dos Direitos Humanos, em agosto passado. O documento reporta um “clima de temor” e táticas que incluem sequestros, tortura e a restrição do direito de ir e vir entre cidades e vilas.

Em julho, a Anistia Internacional informou que tanto as forças do governo local quanto os rebeldes estão utilizando a fome como tática de guerra em Equatoria, cortando o acesso a suprimentos, saqueando mercados e casas e fazendo de civis alvos, conforme as suspeitas de lealdade por um ou outro lado.

A guerra não deve terminar tão cedo. Em dezembro, as nações da África Oriental convocaram novas reuniões com o presidente do Sudão do Sul, Salva Kiir, com o principal grupo rebelde – formado pelo ex-deputado Riek Machar -, e diversos outros grupos armados, incluindo de Equatoria. Um acordo de paz levou a um governo de transição em 2016, que logo entrou em colapso, provocando ainda mais violência. Um cessar-fogo marcado para iniciar no dia 24 de dezembro de 2017 foi quebrado poucas horas depois, e as batalhas seguiram pelo país.

Joseph Nangi, um homem de 36 anos e pai de quatro crianças, está tentando se virar para combater a fome em Yambio, capital de um dos nove estados da região de Equatoria. Ele está a apenas meio dia de caminhada de suas terras, as quais teve que abandonar quando as lutas começaram nas vilas, em dezembro de 2016. Mais de 1,9 milhão de pessoas estão desabrigadas, segundo a ONU.

Por telefone, Nangi descreve o risco de ser morto ou sequestrado se ele retornar à propriedade.

“Nossas terras estão sendo devoradas por animais selvagens e ocupadas por homens armadas”, finaliza.

Fonte: Gazeta do Povo



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