Testes feitos em 12 alimentos comuns da dieta do brasileiro, entre eles o arroz e o feijão, mostraram que 36% apresentavam irregularidades em relação a agrotóxicos: ou apresentavam pesticidas totalmente proibidos no Brasil para qualquer alimento; ou continham níveis de produtos proibidos para aquela cultura específica; ou, ainda, contavam com resíduos acima do limite permitido por lei.
O levantamento também mostrou que 60% das amostras apresentavam pelo menos algum tipo de resíduo de pesticida.
A pesquisa, divulgada nesta terça-feira (31), foi feita pela ONG Greenpeace. A organização coletou amostras de centros de distribuição de São Paulo e do Distrito Federal, em setembro. Os testes foram realizados pelo Laboratório de Resíduos de Pesticidas (LRP) do Instituto Biológico de São Paulo, ligado ao governo do Estado.
O Greenpeace testou o arroz branco e o integral, o feijão preto e o carioca, o mamão formosa, o tomate, a couve, o pimentão verde, a laranja, a banana nanica, a banana prata e o café. Ao todo, a ONG testou 113 kg de alimentos.
Parte dos alimentos foi escolhida por ser representativa na dieta do brasileiro, de acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), e outra parte por apresentar altos índices de agrotóxico (como couve, pimentão e tomate).
- A nossa amostra é pequena, e o objetivo do estudo não foi o monitoramento, que deve ser feito pelo governo, mas mostrar que estamos colocando agrotóxico todos os dias na mesa – diz Marina Lacôrte, especialista do Greenpeace em Agricultura e Alimentação. – Desafiamos qualquer centro a realizar o teste. Vai encontrar agrotóxico – comenta.
Os resultados são consistentes com pesquisa feita pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) com amostras coletadas entre 2014 e 2015; na ocasião, a agência mostrou que 58% dos alimentos tinham algum resíduo de agrotóxico.
Testes realizados pela Proteste em 2016 também mostraram que mais de um terço dos alimentos tinha agrotóxicos ilegais. A entidade testou amostras de oito tipos alimentos.
A dificuldade dos estudos
- É bem complexo você chegar a uma representatividade estatística porque a quantidade de produtores é muito grande e há uma variedade de alimentos. Nem o FDA (órgão americano), nem a Anvisa conseguem – diz Karen Friedrich, toxicologista e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que fez o parecer técnico do estudo. – Então, trabalhamos com amostras, mas o que vemos é que os dados têm sido consistentes ao longo dos estudos – explica.
A consistência nos estudos é importante porque muitas vezes se conta com a ‘sorte’, diz a toxicologista.
- Quando você vai a um supermercado, por exemplo, o alimento vem de vários produtores porque a quantidade de gente para abastecer é grande – explica Karen. – Tem produtor que usa mais agrotóxico que outro. Então, às vezes, vai depender da sorte – comenta.
Mais de um tipo de resíduo
Um fator que preocupou a ONG foi a presença de mais de um tipo de agrotóxico nos alimentos. Segundo o Greenpeace, a interação entre mais de um tipo de pesticida gera um “efeito coquetel” não totalmente mapeado por autoridades.
A pesquisa constatou que o pimentão, por exemplo, apresentou sete tipos de resíduos, incluindo agrotóxicos proibidos.
Também três das quatro amostras de mamão apresentaram quatro tipos diferentes de resíduos. Uma das amostras continha um pesticida não permitido para o mamão, a famoxadona, e outro resíduo em níveis nove vezes acima do permitido: o difenoconazol.
- Estudos experimentais em animais mostram que a ingestão de misturas de agrotóxicos pode ser mais tóxica. Estudos com populações expostas ambientalmente a vários agrotóxicos também mostram a possibilidade de interação – diz Karen Friedrich.
Fiscalização e incentivos
Para Friedrich, seria importante haver um trabalho de rastreamento dos alimentos que mais apresentam problemas.
- Isso significa pegar aquele alimento, identificar o produtor, fiscalizar e orientar sobre modos de produção sem agrotóxicos – diz.
Ela comenta que esse trabalho já é feito em algumas regiões do país, como Santa Catarina e Paraná, mas não há uma ação em nível nacional.
Outra questão é que a comercialização de agrotóxicos é isenta de impostos no país, diz ela.
- Então, para o produtor é mais barato trabalhar com o agrotóxico – diz.
A toxicologista diz, ainda, que há poucos incentivos para a produção de alimentos orgânicos e que o processo para a obtenção da certificação ainda é muito caro no país.
Fonte: G1