O ouro verde virou cinzas da noite para o dia. Um cheiro forte de café torrado tomou conta de toda Região Norte do Paraná. A Geada Negra não poupou ninguém e a manhã de 18 de julho de 1975 mudou para sempre a história do estado. As alterações na formação urbana e econômica são duas das marcas que permanecem quatro décadas após um dos maiores golpes sofridos nas lavouras paranaenses.
A soja assumiu a dianteira do mercado agrícola e a população rural teve uma redução de 60% em 40 anos – passando de 4,5 milhões de pessoas para 1,5 milhão. Cerca de 300 mil famílias de trabalhadores ficaram sem emprego. O prejuízo chegaria a 600 milhões de cruzeiros – na época esse valor equivalia a 75 milhões de dólares –, apenas nas lavouras de café.
- Ninguém gosta de lembrar muito, não. Foi difícil para nossa região essa Geada Negra. A principal atividade agrícola era o café – conta Samuel Faustino Romero Sanches Filho, que tinha 18 anos quando viu a cultura cafeeira iniciada ainda por seu avô, na década de 1940, ser completamente dizimada.
Ao olhar pela janela da fazenda em que morava, em Londrina, no Norte Novo, Samuel teve a ingrata surpresa de ver o chão todo coberto de gelo.
- Com o passar do dia, a cor foi mudando e dois dias após foi sofrido ver a lavoura toda seca, queimada – lembrou ele.
Estima-se que o frio alcançou a marca de 3,5° C negativos, no abrigo. Mais de 850 milhões de pés de café foram queimados – 80 mil na lavoura da família de Samuel.
Ao pisar no campo para conferir o prejuízo, o solo ruía tal qual um gelo rachando. Ao ver a situação dos pés de café, alguns trabalhadores e proprietários não seguraram as lágrimas. O desespero era inevitável. A cultura do café nunca mais se recuperaria de tamanho baque. Para quem plantava, era como ter a casa devastada.
Sem trabalho e sem renda, muitos produtores e trabalhadores rurais se viram com uma interrogação pairando sobre o futuro. O agricultor, também de Londrina, Antonio José Frangovic, hoje com 73 anos, lembra o desânimo que se abateu sobre a população.
- Muitos foram embora para outros estados e cidades. Foram tentar a vida no comércio ou em outras culturas agrícolas – conta.
Além disso, a frustração provocada pela Geada Negra foi gigantesca.
- Atrás dela veio muita fome, muita disputa, briga e discórdia – relata.
O êxodo
Com base em dados censitários do IBGE, observa-se que somente durante a década de 1970, cerca de 1,2 milhão de pessoas deixaram o campo no Paraná. A Geada Negra acelerou o processo de êxodo rural – que vinha se desenhando desde a década de 1960.
Embora, o principal destino dessas pessoas tenha sido Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rondônia e o atual território do Tocantins, muitas foram tentar a vida nas áreas urbanas dentro do Paraná. Fato que implicou uma reconfiguração das cidades do estado. Curitiba, por exemplo.
- A maioria das cidades sofreu com um crescimento, muitas vezes desordenado, devido ao afluxo dos antigos trabalhadores ou colonos das fazendas. Muitos se tornaram volantes ou boias-frias – explica o historiador e professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Roberto Bondarik.
Segundo ele, cerca de 80 mil pequenas propriedades deixaram de existir no Paraná entre 1975 e 1985.
Quarenta anos depois, a zona cafeeira do norte do estado ainda sente a falta do café. Mas não há mais remédio. Como diz o agricultor Samuel Sanches Filho, que logo após a geada se dedicou ao plantio exclusivo de soja, todos teriam que conviver com aquilo para sempre.
- Não tinha outro jeito a não ser se restabelecer e procurar novos horizontes – conclui ele.
Fonte: Gazeta do Povo.