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DESANIMO COM O TRIGO

De tempos em tempos, a situação se repete no Rio Grande do Sul. Influenciada por clima, preço e políticas públicas, a disposição dos produtores gaúchos em apostar no trigo oscila como montanha-russa ao longo dos anos.

O Estado ultrapassou a marca de 1 milhão de hectares cultivados com o grão em apenas seis safras nas últimas três décadas. A série histórica mostra que, depois da maré alta, vem o repuxo. É o que ocorre no atual ciclo. A Companhia Nacional do Abastecimento (Conab) apontou redução de 15% na área cultivada, chegando a 969 mil hectares. Esses números ainda devem ser revisados. A Emater, que divulgou levantamento em maio indicando diminuição de 20%, já admite que o recuo pode chegar a 30%.

Com o período de plantio do trigo se encaminhando para o fim, produtores agora voltam suas atenções para o tempo. E a previsão não é das mais animadoras. O ano é de El Niño, fenômeno gerado pelo aquecimento das águas no Pacífico e que causa chuva mais intensa no sul do país. A umidade, embora reduza o risco de geadas, pode provocar precipitações na época da colheita.

Se isso acontecer, a principal cultura gaúcha de inverno pode repetir o fracasso de 2014. Por enquanto, a Conab estima que a produção será de 2,5 milhões de toneladas — alta de 68% em relação ao ano passado, quando encolheu 52%.

O cenário de preço baixo e custo alto, aliado aos prejuízos da safra anterior, levou muitos produtores a reduzir a área cultivada com o trigo e a questionar se a safra de inverno tem futuro. Foi o caso de Romar Pieniz, de São Luiz Gonzaga, que encolheu a lavoura em 65%. Havia cinco anos, cultivava entre 330 e 350 hectares com o cereal. No atual ciclo, resolveu plantar apenas 115. Ainda assim acha que “foi demais”, tendo em vista o tempo e a expectativa de venda. Entre 2011 e 2015, enquanto o preço da saca do cereal subiu 11,8%, os custos saltaram 30,1%.

— Se continuar esse preço, a tendência vai ser diminuir cada vez mais. O grão é de extrema importância para a nossa propriedade, mas está inviável de plantar — lamenta o produtor, que também semeou aveia, nabo e forrageira para ocupar o vazio deixado pelo trigo.

A preocupação de Pieniz é compartilhada pelo presidente da Comissão de Trigo da Federação da Agricultura (Farsul), Hamilton Jardim. Segundo ele, se as adversidades persistirem, as lavouras com o cereal tendem a minguar ano após ano, colocando em xeque o futuro da safra de inverno, já que outras culturas — aveia, cevada e canola, principalmente — são de alto risco ou também enfrentam dificuldades na venda:

— O Estado e os produtores não se sustentam somente com a receita das culturas de verão. Precisamos de renda no verão e no inverno, e isso preocupa.

Ganho na produtividade

Estudo da comissão da Farsul demonstra a importância do cereal para a economia dos municípios: o levantamento constatou que, a cada 30 hectares, são gerados um emprego direto e dois indiretos. Com a redução de 171 mil hectares nesta safra, 17,1 mil postos teriam deixado de existir. Conforme Jardim, a solução para a crise da triticultura passa por mecanismos de apoio à comercialização e pela revisão da política fiscal do Estado — no Rio Grande do Sul, o ICMS para exportação é de 12%, enquanto no Paraná é de 2%.

Chefe-geral da Embrapa Trigo, Sérgio Roberto Doto ressalta que o trigo é uma cultura fundamental para o Estado, porque os agricultores não têm a mesma possibilidade de investir no milho safrinha, como o restante do país. Doto lembra que, no inverno, os produtores utilizam só 20% dos 5 milhões de hectares ocupados no verão. A rotação de culturas, no entanto, é capaz de ampliar a produtividade de verão em até 30%, além de melhorar a fertilidade e evitar erosão e plantas daninhas.

— Temos de fazer um esforço para a safra de inverno ter sucesso. Na década de 80, quando tivemos um ano semelhante a 2014, a produtividade era de 600 a 800 quilos por hectare. Em 2014, foi de 1,5 mil. Ou seja, temos mais tecnologia hoje para suportar as adversidades — argumenta Doto.

Previsão de chuva acima da média

O próximo trimestre será marcado por grande oscilação de temperatura e chuva acima da média no Rio Grande do Sul. Segundo o consultor climático Glauco Freitas, meteorologista da Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro), as precipitações serão mal distribuídas ao longo dos próximos três meses e poderá ocorrer chuva intensa em curto período — característico do El Niño —, principalmente em agosto e setembro. Os prognósticos também indicam maior possibilidade de ocorrência de veranicos no próximo mês, o que faz as temperaturas ficarem acima da média.

— O produtor tem de estar atento às previsões e buscar o auxílio de especialistas. Senão, todo o trabalho de plantio, em especial a adubação, pode ser perdido com enxurradas — alerta o meteorologista.

O plantio do trigo, que alcançou na semana passada 68% da área prevista, segue até o fim deste mês. O tempo desfavorável, com alta umidade, atrasou o cultivo. Escalonar a época de semeadura, utilizar cultivares resistentes a doenças e escolher áreas adequadas, em que não há possibilidade de alagamento, são algumas das dicas para os produtores. Segundo o agrônomo Luiz Ataídes Jacobsen, da Emater, os agricultores também devem monitorar com a maior frequência possível as lavouras, na tentativa de identificar a presença de doenças.

Fonte: Zero Hora



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