O sucesso do uso de transgênicos é evidente em muitas culturas, como na produção de soja, da qual o Brasil é um exemplo. Contudo, quando se começou a usar produtos transgênicos, objeções foram levantadas, uma vez que as modificações genéticas poderiam ter consequências imprevisíveis. O Greenpeace tornou-se o campeão das campanhas contra o seu uso, que foi banido em vários países.
As objeções iniciais tinham como base dois tipos de consideração: uma, de caráter científico, que foi seriamente investigada por cientistas; e outra, de caráter mais geral, com base no “princípio da precaução”, que nos diz basicamente que cabe ao proponente de um novo produto demonstrar que ele não tem consequências inconvenientes ou perigosas. O “princípio da precaução” tem sido usado para barrar, com maior ou menor sucesso, a introdução de inovações.
Esse princípio tem um forte componente moral e político e tem sido invocado de forma muito variável ao longo do tempo. Por exemplo, ele não foi invocado quando a energia nuclear começou a ser usada, há cerca de 60 anos, para a produção de eletricidade; como resultado, centenas de reatores nucleares foram instalados em muitos países e alguns deles causaram acidentes de grandes proporções. Já no caso de mudanças climáticas que se originaram na ação do homem – consumo de combustíveis fósseis e lançamento na atmosfera dos gases que aquecem o planeta –, ele foi incorporado na Convenção do Clima em 1992 e está levando os países a reduzir o uso desses combustíveis.
A manifestação dos nobelistas argumenta que a experiência mostrou que as preocupações com possíveis consequências negativas dos transgênicos não se justificam e opor-se a eles não faz mais sentido.
Nuns poucos países, o “princípio da precaução” tem sido invocado também para dificultar a instalação de usinas hidrelétricas, tendo em vista que sua construção afeta populações ribeirinhas e tem impactos ambientais. Esse é um problema de fato sério em países com elevada densidade populacional, como a Índia, cujo território é cerca de três vezes menor que o do Brasil e a população, quatro vezes maior. Qualquer usina hidrelétrica na Índia afeta centenas de milhares de pessoas. Não é o caso do Brasil, que tem boa parte de seu território na Amazônia, onde a população é pequena. Ainda assim, a construção de usinas na Amazônia para abastecer as regiões mais populosas e grandes centros industriais no Sudeste tem enfrentado sérias objeções de grupos de ativistas.
A construção de usinas hidrelétricas no passado foi planejada com reservatórios. Quando esses reservatórios não são feitos, a produção de eletricidade varia ao longo do ano. Para evitar isso são construídos lagos artificiais, que armazenam água para os períodos do ano em que chove pouco.
Até recentemente quase toda a eletricidade usada no Brasil era produzida por hidrelétricas com reservatórios, que garantiam o fornecimento durante o ano todo mesmo chovendo pouco. Desde 1990 essa prática foi abandonada por causa das queixas das populações atingidas nas áreas alagadas. As hidrelétricas passaram a ser construídas sem reservatórios – isto é, “a fio d’água” –, usando apenas a água corrente dos rios. É o caso das usinas de Jirau, Santo Antônio e Belo Monte, cujo custo aumentou muito em relação à eletricidade produzida: elas são dimensionadas para o fluxo máximo de águas dos rios, que se dá em alguns meses, e geram muito menos nos meses secos.
Houve nesses casos um superdimensionamento do problema. De modo geral, para cada pessoa afetada pela construção de usinas, mais de cem pessoas são beneficiadas pela eletricidade produzida. Sucede que os poucos milhares de pessoas atingidas vivem em torno da usina e se organizaram para reclamar compensações (em alguns casos são instrumentadas por grupos políticos), ao passo que os beneficiados, que são milhões, vivem longe do local e não são organizados.
Cabe ao poder público avaliar os interesses do total da população, comparar os riscos e prejuízos sofridos por alguns e os benefícios recebidos por muitos. Isso não tem sido feito e o governo federal não tem tido a firmeza de explicar à sociedade onde estão os interesses gerais da Nação.
Isso se verifica também em outras grandes obras públicas, como estradas, portos e infraestruturas em geral. Um exemplo é o Rodoanel Mário Covas, em torno da cidade de São Paulo, cuja construção enfrentou fortes contestações tanto de atingidos pelas obras como de alguns grupos ambientalistas. A firmeza do governo de São Paulo e os esclarecimentos prestados viabilizaram a obra, hoje considerada positiva pela grande maioria: retira dezenas de milhares de caminhões por dia do tráfego urbano de São Paulo e reduz a poluição lançada por eles sobre a população.
O que se aprende neste caso deveria ser aplicado às hidrelétricas da Amazônia, que têm sido contestadas por alguns grupos de ambientalistas não suficientemente informados. Cabe aqui uma ação como a que foi tomada pelos nobelistas em relação aos transgênicos e aceitar hidrelétricas construídas com as melhores exigências técnicas e ambientais, incluindo reservatórios, sem os quais elas se tornam pouco viáveis, abrindo caminho para o uso de outras fontes de energia mais poluentes, como carvão e derivados de petróleo.
Uma conspiração em curso (EDITORIAL DO ESTADÃO)
A terceira lei de Newton, princípio da Física segundo o qual “toda ação provoca uma reação de igual ou maior intensidade, mesma direção e em sentido contrário”, aplica-se também na política, como se vê pelo movimento silencioso que se articula nos bastidores do Congresso com o objetivo cínico de incluir na pauta das reformas políticas, que começarão a ser decididas após as eleições municipais, a ideia nada sutil de algum tipo de anistia para políticos envolvidos nos casos de corrupção. O fundamento dessa ideia maliciosa – que com certeza será rejeitada pelos brasileiros quando vier a público – é o de que o combate à corrupção simbolizado pela Operação Lava Jato é meritório, mas precisa ser contido dentro de limites que não comprometam o habitual desenvolvimento do jogo político.
Em resumo, o argumento central dessa reação dos maus políticos aos rigores da Lava Jato é o de que é preciso distinguir entre os que faturam “por fora” para enriquecer e quem o faz “apenas” para se eleger. Essa ideia marota, patrocinada por um time poderoso cuja escalação qualquer pessoa que acompanhe o noticiário político tem em mente, significa estabelecer uma clara distinção entre caixa 2 e propina, descriminalizando o primeiro por meio de algum expediente técnico-jurídico. Afinal, o custo das campanhas eleitorais anda pela hora da morte e se tornou insuportável com a proibição do financiamento eleitoral por pessoas jurídicas.
Os maus políticos embarcam nessa conspiração contra a moralização de suas atividades por uma simples razão: não sabem fazer política de outro jeito. Estão inexoravelmente vinculados ao patrimonialismo que predomina na vida pública. Essa distorção extremamente nociva do trato da coisa pública contamina até mesmo o glamourizado “idealismo da esquerda”. Tornou-se comum, depois da devastadora passagem do lulopetismo pelo poder central, notórios esquerdistas fazerem vista grossa à ladroeira patrocinada pelos poderosos.
Na verdade, é preciso considerar que nas últimas décadas se consolidou o conúbio entre os partidos – todos eles – e o grande capital patrocinador de eleições. E isso se fez ao abrigo da lei – ou seja, não era ilegal receber doações, desde que registradas na Justiça Eleitoral.
Diante desse quadro promíscuo, é razoável supor que os agentes da Lava Jato e congêneres eventualmente se deixem levar pelo entusiasmo ou pelo excesso de zelo e ultrapassem os limites de sua competência. Abusos desse tipo devem ser reprimidos e corrigidos. Mas os fatos demonstram que em dois anos e meio na coordenação da Lava Jato em primeira instância é insignificante a quantidade de despachos do juiz Sergio Moro que foram reformados pelas instâncias superiores.
Assim, é inegável que, felizmente, o bom senso esteja prevalecendo nas decisões judiciais relativas a questões especialmente delicadas como a contribuição de empresas a campanhas eleitorais, agora proibida. E o bom senso mostra que as doações eleitorais por parte de pessoas jurídicas – inclusive grandes empreiteiras – nem sempre foram ilegais, sub-reptícias, destinadas a proporcionar vantagens mútuas condenáveis. É necessário saber distinguir entre doações recebidas de boa-fé e aquelas que foram produto de desvios e ilegalidades diversos. Na espécie, não cabem generalizações injustas. Essa distinção precisa ser feita até para neutralizar a tentativa de empresários delatores que têm interesse em meter no mesmo saco todos a quem deram dinheiro, inclusive aqueles que receberam a doação de boa-fé, sem oferecer contrapartida ilícita.
Os que conspiram contra a Lava Jato queixam-se de que os agentes federais tendem a pecar por excesso de rigor, exagerando em sua ação. Se existe algum excesso ou exagero é na sem-vergonhice com que maus políticos se entregaram à corrupção, ativa e passiva, sob o argumento despudorado de que essa é a “regra do jogo”. Essa regra foram eles próprios que criaram. Está mais do que na hora de mudá-la, por meio de uma reforma político-partidária que deixe bem claros e separados os campos da militância em favor do interesse público e a mera bandidagem.
Fonte: O Estado de S. Paulo por José Goldemberg*
(*PRESIDENTE DA FAPESP, FOI PRESIDENTE DA CESP)