O mexicano Oscar Salazar desembarcou no Brasil com um novo conceito de economia compartilhada na bagagem. A ideia é abocanhar uma fatia do mercado nacional de cargas. Salazar é um dos três fundadores do Uber, uma das maiores empresas de transporte urbano do mundo – e que não tem um só veículo em sua frota.
O serviço batizado de CargoX faz sua estreia mundial no mercado brasileiro com um investimento de R$ 100 milhões a ser gastos até 2017. A expectativa é faturar R$ 48 milhões já este ano.
- Pretendemos revolucionar o mercado de transporte de cargas do país – afirma o executivo.
A negociação é em tempo real entre os usuários e os mais de 100 mil caminhoneiros autônomos cadastrados na plataforma. Por acionar o motorista mais próximo, a tecnologia promete agilidade, flexibilidade e qualidade no serviço.
Para oferecer tais predicados, os condutores passam por uma seleção, quando são levantados antecedentes criminais, acidentes e incidentes de roubos de carga, além do tempo de uso do caminhão – no máximo, dez anos de rodagem. Os aprovados recebem treinamento da CargoX. O caminhoneiro pode destinar 90% do tempo para atender às “corridas” do serviço inovador, mas também tem a opção de fazer serviços por conta própria.
Por parte da empresa ficam as responsabilidades iguais às de qualquer outra transportadora: pagamento de impostos, seguro da carga e outras obrigações legais. De qualquer forma, o contratante assume os riscos comuns de contratar um caminhoneiro autônomo, resolvendo diretamente com ele a documentação adequada.
O argentino Federico Vega, CEO da CargoX, diz que eles são “uma empresa de tecnologia, não de frete”.
- O que fazemos é ajudar o embarcador sofisticado a contatar um caminhoneiro diretamente. Quem não quer ter esse trabalho burocrático opta por contratar uma empresa convencional de logística – explica.
Solução logística
O serviço mira no excesso de caminhões circulando (a empresa estima, com dados não oficiais, que há cerca de 350 mil além do que o país precisa) e na consequente ociosidade do mercado brasileiro de frete, que opera 40% desocupado em sua capacidade.
A plataforma usa bancos de dados e a telefonia móvel. Pelo smartphone mostra a localização do motorista e o programa do CargoX cruza informações sobre as cargas disponíveis que tenham a mesma origem.
A organização de oferta e demanda promete uma economia inicial de 30% nos custos com frete, ao evitar que caminhões voltem vazios ao local de origem. Tanto na ida como na volta, o espaço nos veículos pode ser 100% aproveitado.
Por exemplo: se um motorista possui espaço no caminhão para 5 toneladas (peso mínimo por veículo na CargoX) e determinado cliente quer contratar apenas 3 toneladas, o serviço automaticamente procura outro usuário que tenha o volume necessário para completar a carga.
Isso pode significar mais dias de espera para a carga sair, contudo, o custo será menor para o embarcador que divide o preço com outro usuário em vez de bancar toda a capacidade sozinho. A renda oferecida ao motorista promete cobrir gastos com combustível, pedágios e ainda gerar lucro ao transportador.
- Não acredito nessa economia (do frete) porque a categoria está sempre no limite, com margem curta. Quem me dera ter essa economia – questiona Oswaldo Dias Junior, diretor-geral da Golden Cargo, empresa com sede em São Paulo e que conta com uma frota de mais de 1.000 caminhões. – Se isso acontecer, há exploração em algum ponto – disse.
Inovação na crise
O Brasil tem uma das maiores malhas rodoviárias do mundo, sendo este modal o mais usado para escoamento da produção agropecuária, o que explica a preferência da diretoria do serviço por começar a atuação mundial no país.
- Queremos expandir o serviço no mundo. Outros países têm problemas logísticos, mas o do Brasil é maior e queremos resolvê-lo – afirma Federico.
O momento difícil vivido pelo país é apontado como uma oportunidade para acriação da companhia. Para o argentino, a crise brasileira oferece o melhor momento de investir no Brasil.
- Os investidores estão saindo com medo. Isso é passageiro. O país vai ser uma das maiores economias do mundo, por isso estamos focando aqui enquanto todos estão querendo fechar suas empresas – disse.
A aposta parece estar dando certo. O executivo afirma que a novidade cresce 100% por mês em número de usuários e negociações. Em março, essa taxa foi de 130%. Para seguir em alta, ele aponta como a única dificuldade a resistência dos clientes de um mercado tão conservador.
- Tem uns que aceitam, outros não. – O CEO diz ter 30 embarcadores grandes em sua clientela, entre elas uma multinacional europeia com mais de 20 mil funcionários – mas não cita nomes.
Mas a inovação tecnológica na logística não é exclusividade da CargoX. Há outros com propostas semelhantes, como o Truck Pad (criado em 2013 e que tem como usuários ativos mais de 481 mil caminhoneiros em todo o Brasil), mas que optam por transportar cargas pequenas de pessoas físicas e pequenas e médias empresas, o que não concorre diretamente com a proposta do “Uber dos caminhões”.
Federico não vê seu produto como uma ameaça à concorrência, seja ela online ou analógica, como grandes frotistas.
- Somos concorrentes diretos apenas dos transportadores que não têm frota própria, disputando seus colaboradores. Mas nossa diferença é que, no serviço convencional, a carroceria volta vazia – defende.
O presidente da Golden Cargo também não teme perder espaço no setor.
- Não adianta o prestador de serviço estar na esquina se não passar por um conjunto de requisitos. Pode transportar até de graça, mas, se não tiver qualidade, só faz (o embarcador) perder tempo – diz.
Já Gilson Baitaca, que tem uma pequena transportadora em Mato Grosso, diz que a novidade não deve amedrontar empresas consolidadas, mas pode ser uma grande ajuda para os caminhoneiros autônomos impactados pela crise e que estão com dificuldades para encontrar serviço.
- Os frotistas têm reduzido investimentos em novos veículos porque não há condições boas de crédito e os motoristas têm mais opções para seguir adiante no destino com a carga cheia. Mais de 90% dos caminhoneiros se comunicam pela internet, principalmente em grupos no WhatsApp, e o novo serviço só deve beneficiar essa categoria que já é conectada – disse.
Fonte: Revista Globo Rural