Às voltas com as articulações dentro do governo sobre o Plano Safra 2016/17, que já começa a ser discutido com a equipe econômica, a ministra da Agricultura, Kátia Abreu, está decidida a tentar mudar a Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM), vigente no país desde 1966. Ela terá pela frente, contudo, o desafio de contornar as restrições de recursos que tornaram cada vez mais incertas quaisquer políticas dependentes de orçamento em Brasília.
Na avaliação de entidades do agronegócio, especialistas e ex-ministros, a PGPM está falida, segue critérios políticos ao beneficiar algumas regiões em detrimento de outras e perdeu efetividade com a profissionalização do setor nas últimas décadas. E, para contornar essa situação, defendem que o governo aposte em ferramentas capazes de garantir a renda dos produtores, até como estímulo à continuidade do avanço da produtividade brasileira em relação a outros países.
Pela PGPM, o governo é obrigado a intervir no mercado com operações de compra ou venda, sempre que os valores dos produtos caem abaixo dos preços mínimos fixados uma vez por ano pelo Ministério da Agricultura. Segundo André Nassar, secretário de Política Agrícola da Pasta, que recebeu de Kátia Abreu a missão de implantar essas mudanças, a ideia não é sepultar a PGPM – “não somos loucos”, diz ele -, mas ir além, criando outros mecanismos que não deixem o produtor à mercê apenas de quedas bruscas de preços.
“Queremos garantir renda ao produtor, mas temos que acabar com a ideia de comprar produto”, afirmou Nassar em entrevista ao Valor. “A decisão de se proteger ou não da variação de preços é do produtor, mas agora queremos dizer para ele: o governo tem um subsídio para isso”. A própria ministra já criticou em diversas oportunidades a manutenção de estoques públicos em armazéns da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), pelo custo elevado que eles acarretam ao Tesouro Nacional, que pode chegar a cerca de R$ 200 milhões por ano.
Nessa estratégia de acabar aos poucos com a vocação da Conab para formar estoques reguladores, por meio das chamadas Aquisições do Governo Federal (AGF), a ideia é tirar do papel, até o lançamento do Plano Safra 2016/17, um projeto-piloto que incentive os produtores a se protegerem, na BM&FBovespa, das oscilações de preços no mercado. Para tal, a alternativa seria estimulá-los a fazer contratos de opção de venda na bolsa para “travar” os preços de seus produtos no mercado futuro. O “estímulo” viria de subsídios à parte do custo (prêmio) da operação.
Na prática, a proposta segue o conceito do programa de subsídios ao seguro rural, em que o governo já paga parte do prêmio negociado entre produtores e produtoras. Só que a negociação seria com a bolsa, com a expectativa de que um determinado preço caia no futuro.
Essa ideia foi baseada em um estudo realizado pelo braço agrícola da FGV, coordenado pelo ex-ministro Roberto Rodrigues. “Os instrumentos de apoio à comercialização ficaram velhos e insuficientes e precisam ser modernizados. Mas não adianta ter preço mínimo se o seguro não funciona e não adianta seguro se o crédito não funciona, essas políticas precisam ser integradas”, afirma Rodrigues.
Nassar diz que o projeto-piloto poderá ser feito com o algodão e estuda destinar, inicialmente, R$ 250 milhões que ainda restam no Tesouro para a sustentação de preços agrícolas. Mas ele pondera que os produtores que aderirem não terão direito a outros instrumentos de apoio à comercialização como Pepro, Pep ou Prop. E deixa claro que governo só conseguiria subvencionar até determinado patamar de preço, estipulando um preço fixo ou um percentual do prêmio. Outras commodities, como soja e milho, também poderão ser beneficiadas pela nova ferramenta se ela de fato vingar.
“Com R$ 200 milhões que eu uso hoje para comprar estoque, eu adquiriria só 40 mil sacas de um produto qualquer ao preço de R$ 50 a saca, por exemplo. Mas se custa R$ 5 para proteger o mesmo preço [os mesmos R$ 50] por contrato de opção na bolsa, eu, governo, já consigo atingir, subvencionar, 50 vezes mais – ou seja, garanto 400 mil sacas com o mesmo dinheiro”, afirma Nassar.
Márcio Portocarrero, diretor-executivo da Abrapa, que representa produtores de algodão, afirma que a associação ainda não foi comunicada a respeito do projeto, mas que apoia a ideia. Na concepção do ministério, o subsídio aos contratos de opção estaria inserido em um pacote de “produtos” que também incluiria, por exemplo, um seguro de faturamento e o próprio seguro de clima. Este último já existe, mas teria que contar, com o novo pacote, com pelo menos R$ 1,1 bilhão em recursos públicos por safra. Essas políticas poderão ser inseridas em uma Lei Agrícola Plurianual, que deverá ser enviada ao Congresso em agosto.
Bruno Lucchi, superintendente técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), aprova a direção seguida pelo ministério e lembra que a entidade tem uma proposta similar para subvencionar contratos de opção para o café. Mas propõe, também, que o ministério atualize os cálculos de custo de produção usados para embasar os preços mínimos de dezenas de produtos para tornar essa ferramenta também mais eficiente. É mais ou menos o que também defende a Aprosoja de Mato Grosso. Já a Federação de Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) pede que as políticas de garantia de preços deem espaço para um programa de seguro rural robusto e com recursos garantidos.
Fonte: Valor Econômico – 16/03/2016
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