Produtores gaúchos interessados em aumentar o rendimento da produção podem encontrar na própria natureza um aliado – pequeno, mas de peso. A contratação de colmeias para serem colocadas em pomares e lavouras durante o período de floração, prática já adotada no cultivo da maçã, no norte do Estado, pode ser copiada para outras culturas, inclusive a soja.
Estudo publicado em janeiro pela Science, uma das principais revistas científicas do mundo, confirma o impacto que as abelhas têm no aumento da produtividade. Realizada em 18 países, a pesquisa envolveu dezenas de cientistas, incluindo brasileiros. Nas 33 culturas investigadas, a maior presença de polinizadores se mostrou uma estratégia barata que pode aumentar em até dois dígitos a produção.
Entre os insetos, as abelhas são os polinizadores mais eficientes. Além de dependerem das flores para sua própria alimentação e da cria, possuem o corpo coberto por pelos, o que facilita a aderência e o transporte dos grãos de pólen.
– Quanto maior a biodiversidade, melhor o nível de polinização. Precisamos conciliar agricultura com biodiversidade, mantendo áreas naturais próximas aos pomares e lavouras – explica a doutora em biologia Betina Blochtein, diretora do Instituto do Meio Ambiente e professora da PUCRS, que participou do estudo.
Em Vacaria, o aluguel de colmeias entre setembro e outubro é comum entre os produtores de maçã, que pagam para terem caixas de mel no pomar. Uma maçã que não é bem polinizada fica menor, assimétrica e perde valor no mercado. A prática também é utilizada, em menor escala, nas culturas de canola e forrageiras, como trevo branco e cornichão.
Eliseu Zardo Bueno, 47 anos, dono de um pomar de maçã no município, contrata com um apicultor da região, todos os anos, de duas a três colônias para cada um dos 60 hectares da propriedade. O custo é de R$ 60 por caixa ao mês.
Produção exige técnica
Ciente da importância das abelhas para a qualidade das frutas, Bueno tentou ter a própria criação. Mas as dificuldades encontradas foram maiores que as imaginadas.
– Gastaria menos com estrutura própria. Mas não basta só colocar a caixa e esperar o enxame chegar. É preciso estimar as perdas causadas pelo clima e dominar a técnica. Preferi terceirizar – conta.
Quem aluga as colmeias para Bueno e outros três produtores da região é o apicultor Domingos Passarin, 77 anos, também de Vacaria. Mesmo com experiência de 35 anos, ele confirma a dificuldade na criação dos insetos:
– Já tive 1,5 mil caixas. Nos últimos anos estava com 700, mas nos últimos meses, devido ao clima chegou a 400 – diz.
A disseminação da técnica no Estado esbarra na presença de um componente importante no campo: o uso de agrotóxicos. O mesmo produto que elimina insetos nocivos para o cultivo, também prejudica os polinizadores.
No caso das macieiras, o ponto de equilíbrio é sensível. O dono do pomar é obrigado a deixar de aplicar inseticidas e fungicidas no período em que as abelhas estão nas macieiras para não prejudicar as colmeias. Mas corre risco do ataque de pragas neste intervalo.
Para os apicultores, que veem no aluguel das colmeias uma renda extra, a escolha é delicada. Os químicos colocados antes da chegada dos enxames deixam um efeito residual que impacta nos animais.
– É uma parceria que às vezes não funciona muito bem. Há produtores que não levam mais abelhas nos pomares por causa do risco de contaminação – conta Aroni Sattler, professor de apicultura da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Rendimento maior nas culturas
Apesar de não depender da ajuda de insetos para polinização, estudos apontam que culturas como a soja e a canola, que se autopolinizam, também se beneficiam com a presença de colmeias. Lavouras que recebem a visita de abelhas costumam ter grãos com mais óleo, aumentando o rendimento por hectare.
Em vez de arcar com custos do aluguel de enxames com apicultores, os agricultores podem criar medidas para atrair polinizadores.
– O impacto é geral, mas nas grandes lavouras os produtores ainda não reconhecem tanto a importância dos polinizadores. Às vezes se queixam do preço internacional da saca quando poderiam aumentar a produtividade em 15% tendo polinizador suficiente – afirma Aroni Sattler, professor de apicultura da UFRGS.
Nas cidades de Esmeralda, Estrela e Guarani das Missões, a canola teve ganhos entre 25% e 30%, apenas com a ajuda de abelhas.
– O manejo foi mantido igual e o rendimento muito melhor – conta a professora de biologia da PUCRS, Betina Blochtein, que comandou o estudo.
É difícil definir um percentual de aumento de produtividade para cada cultura porque o resultado reflete várias condicionantes, como por exemplo, a variedade de cultivar utilizada ou os agrotóxicos adotados. Mas aproximadamente 75% das culturas agrícolas dependem da polinização animal. Dentre os agentes polinizadores, destacam-se os insetos pela eficiência e abundância na natureza.
Luis Fernando Wolff, pesquisador em apicultura, meliponicultura e polinização da Embrapa Clima Temperado, conta que na metade sul do Estado a prática ainda é incipiente, mas quem adota vê o quanto é vantajoso.
– Em alguns casos, o convencimento leva um tempo. Às vezes em vez de pagar o apicultor, o produtor quer receber parte da produção de mel por ter aberto espaço no pomar para as colmeias – diz.
Fonte: Zero Hora