O Estado nunca vendeu tanta soja para o mundo como em 2015. A cadeia do setor atingiu, em setembro, o recorde histórico de embarques da oleaginosa. O volume de 9,116 milhões de toneladas nos nove primeiros meses do ano (quando quase a totalidade da exportação anual foi despachada) – ante 7,7 milhões de 2014 – também escancarou a dependência cada vez maior do Rio Grande do Sul com as encomendas chinesas. A China, maior consumidora global do grão, foi destino de 8,288 milhões de toneladas, 90,9% do total enviado no período (há quase 20 anos, a fatia era de menos de 20%), 1,2 milhão de toneladas a mais que 2014. A produção gaúcha responde por quase 20% dos embarques brasileiros da commodity, mais de 90% para o país asiático.
O momento só não está para brinde porque o recorde coincide com preços internacionais descendentes. Em 15 meses, o recuo da tonelada em dólar (Bolsa de Chicago) chega a 38,8%. Em junho de 2014, a cotação foi de US$ 528, última vez nos meses recentes que o valor ficou acima de US$ 500. Em setembro passado, o preço estava em US$ 323. O cenário explica por que, enquanto o volume dos embarques gaúchos subiu 18,4% em nove meses, a receita reduziu 11,9%. O ano de 2013 registrou a maior receita com o grão na história regional, somando US$ 4,226 bilhões para volume de 7,87 milhões de toneladas.
O economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE) Tomás Amaral Torezani fez a conta da perda da receita externa usando a taxa nominal de câmbio e apurou um caixa 8,9% menor.
- Em reais, o crescimento é de 25,8% – compara Torezani, indicando o trunfo da desvalorização da moeda.
- A taxa de câmbio alta tem conseguido amenizar, em reais, a queda dos preços internacionais – reforça o economista-chefe da Farsul, Antônio da Luz.
Isso pode parecer suficiente, mas não é. A própria área econômica da Farsul e o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Universidade de São Paulo (Cepea/USP) advertem para o risco de desequilíbrios entre os ganhos da bonança externa e os gastos maiores para formar a safra 2015/2016.
O pesquisador do Cepea/USP Mauro Osaki estimou um custo total de 61 sacas por hectare em Carazinho (RS), referência no cálculo. A conta projeta a cotação do bushel em US$ 9 em março de 2016 e câmbio a US$ 3,50. Se forem computadas despesas apenas operacionais com insumos (fertilizantes e defensivos), mão de obra e setor financeiro, o parâmetro é de 38 sacas por hectare. O que pesa muito na conta total no Estado é o custo de arrendamento, já que o preço disparou devido à baixa oferta de terras. Para produtividades abaixo de 60 sacas, o ganho é zero, conclui Osaki.
O Cepea mediu o custo em Sorriso (Mato Grosso), região que lidera a produção no País, e encontrou custo de 60 sacas por hectare.
- Se o câmbio passar de R$ 4,00, muda tudo, mas muitos produtores já venderam parte da produção para ajudar no custeio – alerta o especialista.
A prática de contratar produtos financeiros, que costumam estar protegidos em dólar, virou estratégia para escapar da alta da moeda, arriscando perder na venda do produto (recebendo câmbio menor).
Na formação da lavoura, o que está esfolando a receita de sojicultores são os preços dos fertilizantes, mostra o analista do Cepea/USP. Quem conseguiu comprar o insumo antes da escalada do dólar, com maior surto a partir de agosto (câmbio acima de R$ 4,00), pagou 20% a mais pelo insumo em Carazinho. Em Sorriso, a conta ficou 27,4% mais cara, segundo acompanhamento do órgão de estudos.
Índice da Farsul mostra aceleração dos custos no campo
Setembro não foi apenas marco histórico para embarques da soja. O Índice de Inflação dos Custos de Produção (IICP) neste mês, apurado pela Farsul, mostrou aceleração ainda maior nos componentes da formação da próxima lavoura para grãos. Em relação a agosto, a elevação chegou a 3,69% e foi puxada pelo efeito da apreciação da taxa de câmbio e consequente impacto nos preços de fertilizantes e agroquímicos, segundo a assessoria econômica da federação. No ano, o IICP acumula aumento de 11,04%, maior alta anual do custo de produção da série e já está muito acima do IPCA no mesmo período (7,64). O IPCA de alimentos foi de 7,56% em nove meses. Em 12 meses, o IIPC alcança correção de 15,7% para o IPCA de 9,46%.
O boletim de análise do índice ressaltou a preocupação com a sazonalidade do custo, que “tende a ter seu maior crescimento no segundo semestre”. Executivo de uma das maiores fornecedoras de um dos vilões dos custos na largada da lavoura de verão, o presidente da Yara do Brasil, Lair Hanzen, justifica que o impacto do câmbio nas tabelas da indústria ao setor primário é explicado pela dependência da importação das matérias-primas usadas nas misturas dos itens vendidos. O Estado traz tudo de fora, citou Hanzen.
- O câmbio é um hedge natural, pois os preços são em dólar – traduziu o executivo.
Hanzen só não concorda com maior dano desse custo. O executivo admite altas acima de 20%, mas lembra que o sojicultor vem de ganhos nos anos recentes e que a demanda por alimentos se mantém.
- Nossos indicadores apontam que, na relação com a tonelada de fertilizante, a soja mantém a competitividade – conclui.
Fonte: Jornal do Comércio