Não eram nem 21 horas de 2 de agosto, quando a produtora rural Edina Monczak Nova embarcou em um ônibus com outras 21 mulheres, em São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba (RMC). Após nove horas de viagem e mais de 520 quilômetros percorridos, o grupo chegou a Cascavel, na região Oeste do Paraná. Lá, a delegação são-joseense se juntou a outras 1,2 mil mulheres, que participaram do 11º Encontro de Produtoras Rurais, promovido pela Comissão Feminina do Sindicato Rural de Cascavel, com apoio da Comissão Estadual de Mulheres da FAEP (CEMF). Com programação ampla, o evento se estendeu ao longo do dia 3 de agosto, celebrando o movimento crescente de mulheres no setor agropecuário. E mais: a convenção reuniu participantes de todo o Paraná e de outros 21 Estados – tornando Cascavel uma espécie de “capital da mobilização feminina”.
Animada, Edina nem sentiu o cansaço da jornada. Acompanhou atentamente a programação – gostou, especialmente, das palestras sobre saúde da mulher –, divertiu-se com os animadores que subiam ao palco entre uma apresentação e outra, e, principalmente, estabeleceu contatos com outras produtoras rurais. Voltou com o fôlego renovado para se dedicar aos projetos da propriedade. A família, que produz hortaliças, está iniciando o plantio de lavanda, camomila e girassol, de olho no turismo rural. A ideia é oferecer um espaço para piqueniques e churrascos, com belos cenários para fotos.
“Os novos contatos, as novas amizades e os conhecimentos compartilhados são preciosos para continuarmos. São coisas que vamos levar para a vida. A gente vê que a organização do evento se esmerou. Não tem um detalhe que não tenha chamado a nossa atenção”, disse Edina, ainda durante o encontro.
Histórias como a de Edina se contavam às centenas no 11º Encontro de Produtoras Rurais, referendando que as mulheres têm se organizado de modo a conquistar protagonismo no campo em todos os rincões do Paraná. Tanto que 60 comissões locais de mulheres, de todas as regiões do Estado, estiveram representadas no evento. O presidente do Sistema FAEP/SENAR-PR, Ágide Meneguette, celebrou a mobilização feminina, destacando que 63 municípios paranaenses já contam com comissões instituídas. O dirigente, no entanto, vislumbra um cenário com ainda mais participação.
“O desafio é chegarmos ao fim de 2023 com 100 comissões locais. Mas o sonho é, num futuro próximo, ter 399 comissões locais, uma em cada cidade. Esse exército vai poder ajudar a discutir políticas públicas em seus municípios, melhorando a saúde e a educação, ou ajudando a resolver problemas que tenhamos na agropecuária. Só por meio da participação ativa é que teremos um mundo melhor”, apontou Meneguette.
A multiplicação das comissões locais pelo Paraná tem participação decisiva do Sistema FAEP/SENAR-PR. Em 2021, a entidade criou a Comissão Estadual de Mulheres da FAEP (CEMF), que fomenta a formação de grupos nos municípios. A presidente do Sindicato Rural de Teixeira Soares e coordenadora da CEMF, Lisiane Czech, destacou que essa articulação vem provocando uma revolução no campo, com mulheres participando cada vez mais das tomadas de decisão em suas respectivas propriedades e do sistema de representatividade.
“Nossas bisavós e nossas avós lutaram para termos uma vida diferente. Elas não podiam votar, nem sair de casa. Quem era convidada para ir a uma reunião de cooperativa ou de sindicato? Jamais! Mas hoje estamos participando”, disse.
Caminho da mudança
Esse movimento tem dado mostras de que é capaz de mudar mentalidades. Em Cândido de Abreu, município de 15 mil habitantes na região Central do Paraná, o movimento sindical era historicamente conduzido por homens. Até que, no ano passado, o presidente do sindicato rural, João Batista Simionato, participou de uma reunião em que houve uma apresentação sobre a CEMF. De volta ao município, o dirigente comentou com diretores sobre a participação feminina. Era a oportunidade que a mulher dele, Alice Pazio Marques Simionato, esperava. Ela começou a articular uma comissão, que fez sua primeira reunião em 22 de junho deste ano.
“Como desde a fundação nunca tinha tido uma mulher na diretoria, os homens nem sabiam que mulher poderia ter um posto de liderança. Quando eles viram que não era algo invasivo, se abriram”, contou Alice. “A gente conseguiu se articular rapidamente. Mobilizamos 25 mulheres e hoje somos 45. O sindicato viu que tínhamos interesse e nos abriu as portas. Temos tido muito apoio, com diálogo aberto”, detalhou.
Para Alice, a participação não chegou a ser uma novidade. Filha de produtores rurais, ela já ajudava no dia a dia da propriedade, voltada à bovinocultura de leite – com 20 animais em lactação – e à horticultura. Ela percebe que muitas mulheres têm assumido papel de relevância nos negócios de suas famílias e se interessado pelos rumos da categoria.
“O sindicato era frequentado só por homens. Agora, mais mulheres têm ido, seja para tirar uma GTA [Guia de Transporte Animal], fazer um contrato, ou seja, estão participando da vida da propriedade. Tem sido uma mudança cultural, mesmo”, definiu.
O movimento também conta com novas caras, que provêm de outras atividades. Rafaela Pontes Cousseau, por exemplo, era dentista e dedicou 15 anos de sua vida profissional ao consultório, em Prudentópolis. Ela tinha, no entanto, interesse em participar da gestão da propriedade da família, que produz grãos e leite. Inspirada por outras mulheres, começou a se envolver nos negócios rurais. Para se especializar, fez cursos do SENAR-PR – como de manejo de gado leiteiro e de inseminação artificial. Quando se sentiu apta, fechou o consultório odontológico e passou a se dedicar exclusivamente à gestão da leiteria – onde mantém 135 animais em lactação.
“Depois da pandemia, eu comecei a migrar minha atuação para a propriedade. A Lisiane [Czech] me puxou. Ela disse: ‘Comece aos poucos’. Hoje, faço a gestão da leiteria”, disse, orgulhosa. “Foi um desafio, porque mudar de carreira é uma transformação”, contou.
Mãe de dois filhos e casada com o vice-presidente do sindicato local, Rafaela aponta que a mudança de carreira também foi motivada pela família, de quem se sente mais próxima. Para estimular outras mulheres, ela é uma das coordenadoras da comissão de mulheres de Prudentópolis, uma das mais recentes do Paraná. “Esses eventos e todo esse movimento inspiram. Temos um potencial de transformação enorme”, resumiu.
Outra nova líder que se encontrou nesse movimento é Jeniffer Cristiana da Silva. Formada em Direito, ela trabalhou por oito anos em um escritório de advogados em Curitiba, onde morava. Em 2017, voltou a Santo Antonio da Platina, Norte Pioneiro, sua terra natal. Ali, reencontrou seu namorado de adolescência, que é reconhecido como melhor ferrador de cavalos da região. Ele a apresentou ao SENAR-PR e, desde então, Jeniffer faz um curso atrás do outro. Ela e o antigo namorado se casaram e compraram uma pequena propriedade rural, passando a viver no campo, produzindo um pouco de café e mel.
“A compra da propriedade e minha vida no campo foram totalmente influenciadas pela minha descoberta do SENAR-PR. Desde então, eu tenho buscado conhecimento. É muito bonito e inspirador esse movimento de mulheres. Faz a gente querer sempre mais”, disse Jeniffer.
Para participar do encontro em Cascavel, ela teve que rodar 540 quilômetros. Mas quando soube do evento, nem pensou duas vezes: se inscreveu na hora. “E se tiver mais mil encontros, eu participo”, assegurou. “Cada encontro é um universo que se abre. Além do conhecimento, fazemos amizades e trocamos informações. É gratificante perceber que no Paraná inteiro as mulheres estão fazendo esse trabalho”, destacou.
Mulheres de Cascavel estão entre pioneiras do movimento
Anfitriãs do evento, a Comissão Feminina do Sindicato Rural de Cascavel é um dos grupos de mulheres mais longevos do Paraná e um dos precursores do movimento em âmbito estadual. Em seu discurso ao longo do 11º Encontro de Produtoras Rurais, a presidente da comissão, Maria Beatriz Orso, detalhou a história do grupo, que se formou em 2010, com o objetivo de celebrar o Dia Internacional da Mulher.
“Na época, éramos em poucas, com um objetivo em comum, com vontade de aprender e de crescer dentro do agro”, sintetizou Maria Beatriz. “No começo, os eventos eram realizados no próprio auditório do sindicato. Produtoras eram convidadas a expor e a vender o que produziam”, relembrou.
Com o passar do tempo, mais mulheres foram aderindo à comissão feminina e o grupo foi crescendo. Com isso, as participantes também expandiram sua atuação. O colegiado passou a criar campanhas assistenciais e a participar de cursos, estimulando o desenvolvimento das mulheres e a ampliação de sua participação no setor agropecuário. Com o crescimento do grupo, o encontro anual deixou de ser realizado no sindicato e a programação foi ampliada.
“Construímos uma relação de amizade, de carinho, de respeito e de admiração. Nossas atividades foram ganhando mais visibilidade e mais mulheres demonstraram interesse em participar”, detalhou Maria Beatriz. “Nosso desejo é que as mulheres saíssem de suas propriedades para um dia diferente, com informação e com atividades que tivessem leveza e diversão, porque o trabalho na roça, por si, é muito árduo”, completou.
Assim, o colegiado resistiu à pandemia. Em 2021, a Comissão Estadual de Mulheres da FAEP (CEMF) deu fôlego novo ao grupo de Cascavel. As cascavelenses passaram a desenvolver ações cada vez mais focadas no setor agropecuário, apoiando as cadeias produtivas desenvolvidas no município. Também houve uma intensificação do trabalho das mulheres na representatividade do sistema sindical. Segundo Beatriz, essa atuação tem sido transformadora.
“Nosso movimento já fez levantar sindicatos que estavam adormecidos. Cumprimos o propósito de fortalecer o papel de mulher no agro, de fortalecer o empreendedorismo no agro, ampliando a participação da mulher. Precisamos de mais mulheres na diretoria e na presidência dos sindicatos rurais”, disse.
Comissões do Paraná são referência nacional
A jornada da amazonense Jaqueline Carla Ferrasso para participar do 11º Encontro de Produtoras Rurais, em Cascavel, começou cinco dias antes do evento. No dia 29 de julho, ela pegou a estrada, partindo de Apuí, município localizado no Sul do Amazonas. Foram 400 quilômetros de estrada de chão e 200 quilômetros de asfalto até chegar a Humaitá. Jaqueline continuou, então, de carro a Porto Velho, em Rondônia, onde embarcou num avião com destino a Cuiabá, no Mato Grosso. De lá, pegou outro voo a Campinas, em São Paulo, e dormiu no aeroporto. A produtora rural só chegou a Cascavel, de avião, no fim da manhã de terça-feira, 1º de agosto.
“Nossa comissão estadual ainda está em formação. O nosso sonho é chegar num nível de sucesso como das comissões do Paraná”, disse Jaqueline. Sócia-fundadora e presidente do Sindisul – sindicato rural que congrega três municípios na região de Apuí –, ela já está envolvida na representatividade há anos, mas quer estimular outras mulheres. Aos 44 anos, a amazonense é pecuarista leiteira, mãe de dois filhos e avó de dois netos. Ainda assim, encontra tempo para a mobilização. “Mulher sempre dá um jeito. Sobretudo para conquistarmos o nosso espaço”, disse.
Amazonas não foi o único Estado a buscar inspiração no Paraná. O 11º Encontro de Produtoras Rurais registrou a participação de representantes de 21 unidades da federação, do Rio Grande do Sul à Bahia. Presidente da Comissão Nacional de Mulheres do Agro, da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Stéphanie Ferreira, falou sobre a importância de eventos que congregam o público feminino e fomentam o protagonismo.
“É revigorante. Em eventos, a gente se reconhece como grupo. Cada uma com sua trajetória, estimulando e apoiando as outras. É um trabalho que só vai crescer”, disse Stéphanie. “Quando a gente se reúne, vê que nada é impossível. Não há competição. É uma interação que ajuda e motiva a trilhar esse caminho de sucesso”, declarou.
A Comissão Nacional de Mulheres do Agro concluiu um levantamento que apontou que apenas 7,5% das propriedades rurais têm produtoras rurais em papel de gestão ou de liderança. Nos sindicatos rurais, o índice de mulheres em cargos de direção também é de 7,5%. Para ampliar o protagonismo feminino, o movimento nacional deve focar sua atuação na capacitação das mulheres, na organização de comissões estaduais e na articulação dos colegiados em âmbito nacional.
No dia 4 de agosto, um dia após o 11º Encontro de Produtoras Rurais, as mulheres dos diversos Estados realizaram a 2ª reunião presencial de Mulheres do Agro da CNA. “Nosso principal objetivo é melhorar o número de mulheres em posição de liderança. Temos muito a evoluir e vamos continuar crescendo”, resumiu Stéphanie, que também é vice-presidente do Sindicato Rural de Três Lagoas – município sul-matogrossense onde nasceu.
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Fonte: Sistema FAEP