O acesso à internet no campo é um dos principais desafios do agronegócio brasileiro. De acordo com o último Censo Agropecuário, de 2017, mais de 70% das propriedades rurais não possuem conexão.
Segundo o Instituto Brasileira de Geografia e Estatística (IBGE), que faz o Censo:
o Brasil tem 5,07 milhões de estabelecimentos rurais;
71,8% não têm acesso à internet (3,64 milhões de propriedades)
O IBGE considera estabelecimentos rurais como locais onde ocorre produção agropecuária como atividade de renda. Terras utilizadas em mineração, sítios, chácaras e áreas militares não são consideradas.
Apesar do crescimento de 1.900% entre um Censo Agropecuário e outro (2006 e 2017), o acesso à internet deixa a desejar em um setor que movimentou mais de R$ 1,43 trilhão em 2018, o equivalente a mais de 20% do PIB brasileiro.
Das 10 principais cidades produtoras do país, apenas Sapezal e Nova Mutum, municípios de Mato Grosso, têm mais propriedades com internet do que fazendas sem conexão.
O Censo do IBGE mostra também que o município com mais estabelecimentos rurais sem acesso à internet é Cametá, no Pará. Mais de 11 mil propriedades declararam não ter conexão.
Em São Félix do Xingu, cidade paraense que possui o maior rebanho bovino do país, são mais de 5.300 propriedades sem internet, o que equivale a 83% do total de estabelecimentos do município.
A importância da internet na agropecuária
Além de aumentar o acesso à informação e assistência técnica, a internet ajuda os produtores rurais a melhorar o uso de tecnologias nas fazendas.
“A agricultura 4.0 é conectividade. É conseguir máquina com outra máquina, monitorar a propriedade. Você precisa dessas informações online, para conseguir tomar as decisões em tempo real”, explica a chefe-geral da Embrapa Informática Agropecuária, Silvia Massruhá.
“As tecnologias podem ser oportunidade para melhorar modelo de negócios, reduzir custos e melhorar a produção. O desafio da conectividade existe em toda a cadeia”, completa.
Segundo Silvia, os grandes produtores conseguem investir em conectividade, contratando internet via satélite e instalando antenas nas propriedades para dar acesso à internet em todos os pontos da fazenda.
Só que esse tipo de agricultor é minoria, e os pequenos e médios têm mais dificuldades em conseguir internet por meios convencionais e não possuem recursos para contratar uma conexão via satélite.
Desafio da internet rápida
“O desafio da internet é chegar ao meio rural. O 4G já funcionaria para a ‘fazenda do futuro’, funcionando bem, já resolveria o problema de conectividade”, diz Silvia, que chefia a Embrapa Informática Agropecuária, que é focada na criação de softwares para atividade rural.
O 4G é uma conexão de internet móvel, utilizada diretamente por celulares, tablets e equipamentos, que normalmente é mais rápida que a internet fixa.
A pesquisa TIC Domicílios, uma das principais do país sobre o assunto, diz que 77% dos usuários de internet na internet se conectam exclusivamente pelo telefone e 20% usam celular e computador.
De acordo com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), 4.757 dos 5.570 municípios brasileiros possuem sinal 4G (85%). Esse número, porém, leva apenas em conta a sede das cidades, que são bem distantes das propriedades rurais.
A Anatel afirma que existem 15.469 áreas habitadas do país identificadas como localidades que não possuem conexão 4G. Até 2023 esse número deve cair para 13.996, de acordo com Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU) da agência.
Levando em conta apenas as áreas rurais, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) acredita que 800 das 7.645 áreas rurais habitadas do Brasil tenham 4G. Até 2023, o governo estima que mais 622 localidades terão acesso à tecnologia, chegando a 1.422.
“É um contingente expressivo de população. E é uma demanda recorrente da atividade. Por exemplo, implantaram a Nota Fiscal Eletrônica, e tem produtor que não tem internet para fazer. O desafio é cobrir a zona rural”, afirma o gerente de universalização da Anatel, Eduardo Jacomassi.
A agência afirma que recebe, em média por ano, 500 solicitações para expansão do acesso à internet.
Como o governo pensa em expandir o acesso?
Jacomassi disse que soluções estão sendo pensadas dentro do governo federal para que, no leilão do 5G, previsto para 2020, as operadoras sejam obrigadas a expandir a conectividade no campo.
Outro plano é remanejar recursos públicos para ampliar o acesso. A Anatel espera que seja aprovado no Congresso Nacional um projeto de lei que permita a utilização de um fundo financiado pelas operadoras para garantir a universalização da telefonia fixa.
Esse fundo, criado nos anos 2000, prevê, por exemplo, investimentos na instalação de orelhões pelo país, mas não estima investimentos no acesso à internet móvel. Segundo cálculos da agência, a mudança na legislação poderia garantir R$ 1 bilhão por ano em recursos para a ampliação da internet no país.
Se o 4G, que é uma internet de alta velocidade que ajudaria na transmissão dos dados produzidos no campo, a banda larga com velocidade menor, está disponível em todo o território brasileiro, segundo MCTIC.
“O lançamento do edital do 4G, em 2012, criou a obrigação (das operadoras) de atender a área rural com banda larga. É um atendimento tímido, de 1 mbps de velocidade, que o produtor tem direito”, diz Eduardo Jacomassi.
Com relação à conexão com fibra óptica, uma internet banda larga com mais velocidade, o ministério afirma que 70% do país já possui acesso à tecnologia.
Startups do agro: as Agtechs
O agronegócio sabe a importância da conectividade e busca levar mais tecnologia para os produtores.
Segundo um levantamento feito pelo fundo de investimentos SP Ventures parceria com a Embrapa, o país tem mais de 1.100 startups voltadas para a agropecuária, as Agtechs. Esse número é o triplo do que havia em 2017.
O estudo mostra que essas empresas podem ser divididas da seguinte forma.
Antes da fazenda: produção de fertilizantes sustentáveis, defensivos de origem biológica, empresas que fazem análise de crédito e que oferecem financiamento são alguns exemplos;
Dentro da fazenda: aplicativos que fazem a gestão empresarial da fazenda, tecnologia que fazem o monitoramento agronômico da lavoura, genética de animais e genômica (novas variedades de plantas) fazem parte deste grupo;
Depois da fazenda: rastreabilidade de toda a cadeia (como produção de gado e soja), logística (transporte e armazenamento) e lojas virtuais para a negociação dos produtos.
Sabendo da deficiência do acesso à internet no campo, muitas startups oferecem, junto com seu produto principal, alternativas de conexão.
No caso da gestão de dados da propriedade, existem tecnologias que conectam remotamente uma máquina com a outra, como um fone de ouvido Bluetooth consegue se conectar a um celular sem internet, por exemplo.
Essa alternativa serve para fazendas que possuem internet na sede, mas que não consegue se espalhar pelos hectares de produção.
Os equipamentos trocam informações durante o dia e, ao chegar em uma área com conexão, transmitem os dados para um servidor que gere essas informações, explica o analista associado da SP Ventures Murilo Vallota.
Apesar de uma solução para essa brecha, Vallota acredita que, no momento em que as startups não tiverem que se preocupar com conexão, elas poderão oferecer produtos e aplicativos mais inovadores, já que as empresas se voltarão apenas no desenvolvimento de soluções para o campo.
“A partir do momento que conectividade chegar de vez e as startups não vão precisar se preocupar com isso, novas soluções podem surgir nas Agtechs. Se acabar essa dor, eles vão poder focar em outras dores da fazenda”, afirma o analista da SP Ventures.
Fonte:G1